Eloá
Lacerda
A
demanda de trabalhar de casa tem se intensificado cada vez mais desde o anúncio
da pandemia de coronavírus. Apesar de certa resistência de diversos setores em
resguardar seus/suas funcionários/as no início desse período, fica cada vez mais
evidente que não há maneira mais eficaz de prevenir o contágio e propagação da
doença. No entanto, isso tem gerado diversas problemáticas, em diferentes
instâncias. Nesse texto, iremos nos ater a falar dos percalços enfrentados
pelos/as professores/as nos dias de hoje.
O
que tem acontecido de maneira intensificada é a sobrecarga de professores/as na
função de trabalhar de casa. E são várias dificuldades intrínsecas, uma vez que,
nessa condição, não basta toda preparação que normalmente já existe para a
execução de uma aula. Mas, além disso, há uma exigência de dedicação que inclui
refazer uma aula para que ela se adapte à realidade que estamos enfrentando:
adequar as aulas remotas, aprender a dominar essa tecnologia, editar os vídeos,
preparar conteúdo extra, se familiarizar com uma sala de aula online, além de
postar a matéria, passar exercícios e corrigi-los. E, claro, conciliar com toda
uma rotina de estar apenas dentro de casa, que já se exige responsabilidades de
diversas ordens.
Ocorre
que pelo fato de todo esse trabalho ser feito dentro de casa, há uma grande
subestimação do que tem sido feito. Isso nos leva a qualificar intensamente
toda aula já planejada para que mostre que há serviço sendo feito. Há relatos
de maior controle sobre o conteúdo e sobre a forma como os/as professores/as o
ministram. Há diretores/as e coordenadores/as que estão assediando moralmente professores/as, com
cobranças abusivas que passam pela imposição de valores conservadores e julgamento da aparência
pessoal de professores/as e até mesmo de sua forma de vestir ou falar. Há
professores/as tendo que adequar suas aulas forçadamente ao indicado pela direção
escolar, que pouco entende do conteúdo a ser ministrado. Há relatos de
professores/as que estão trocando o dia pela noite para poderem ter silêncio em
suas residências para gravação de aulas remotas e há o conflito inter-geracional e constrangimento com quem não domina a tecnologia da informação. Sem dúvida, professores/as estão
vivenciando um momento de muito estresse e que compromete a saúde e a qualidade
do que oferecem aos/às estudantes.
Nesse sentido, as Instituições de ensino,
especificamente do regime privado, têm exacerbado as cobranças, a fim de manter
as escolas funcionando, sob níveis de exigência que se encontram fora da
realidade de muitas pessoas. Parte
dessa cobrança, dentre outras razões, se dá pelo fato de que alguns responsáveis (pais/mães/outres) têm se
recusado a pagar a mensalidade dos/as filhos/as, ou até mesmo pedindo desconto enquanto
seus/suas filhos não estão indo à escola. Dessa parcela que pede a
isenção de mensalidade ou redução do valor, parte ocorre pelo fato de que não
reconhecem o imenso esforço de professores/as em manter o conteúdo previsto à
distância. Há um pensamento, obviamente dentro de uma minoria, que estar em
casa configuraria férias.
Ademais,
há também a realidade daqueless que diante da situação enfrentada, acabaram sem
ter condições de manter o compromisso anteriormente assumido com a escola, pelo menos sob o mesmo valor. Alguns/mas são
autônomos/as, outros/as enfrentam o desemprego/desocupação causados pela necessidade
do isolamento social, e agora se encontram em situação de vulnerabilidade.
Enquanto
nas escolas da rede privada a cobrança de responsáveis e empregadores da educação
cobram uma reinvenção imediata da função docente, a Educação à distância (EaD)
se torna insustentável nas escolas e universidades públicas, uma vez que a principal preocupação
dessas famílias é se terão o que comer nesse momento, descartando muitas vezes
a possibilidade de ter acesso à tecnologia dentro de casa.
Diante
disso, de toda realidade alterada, tornou-se um esforço coletivo que todos/as se
adaptem à realidade que estamos vivendo. Professores/as precisam ser mais do
que transmissores de conhecimento, embora nunca seja só isso. Precisam
conciliar em seu tempo para garantir que além da reprodução de sua aula
(considerando seu alto número de turmas), sobre tempo para aprender sobre como
será possível reproduzir a ambiência de uma sala de aula "online", já que essa é a demanda que tem
sido feita por empregadores/as. Além disso, há estudantes que também precisam lidar com isso, e
criar certa maturidade para aprender, apesar da distância e da maior distração
que o conforto de casa oferece. E, por sua vez, famílias que precisam assumir um
papel de mediadoras nessa situação, muitas vezes sem ter condições ou mesmo sem tempo de fazer isso, já que além de estarem cumprindo as tarefas
domésticas, possivelmente, muitos estão também fazendo trabalhos em casa.
Considerando
a educação como um todo e a pressa que as instituições de ensino privadas têm
tido em relação ao ensino à distância, se evidencia um grande lastro que
reforçará a exclusão de estudantes em estado de isolamento social que não
possuem condições de acesso às plataformas digitais. Algumas instituições
públicas assumem o risco de evidenciar a falta de condições para garantirem a EaD
em um país cuja desigualdade social é algo que não se pode ignorar. Segundo
nota emitida pela direção do Colégio Pedro II, campus Tijuca:
“O acesso à educação de qualidade é um direito que
dificilmente se realizará numa lógica de EaD emergencial. Se algum conteúdo for
ministrado ao longo desse período de recolhimento compulsório, terá que ser,
inevitavelmente, revisitado no retorno ao contato social. E, nas atuais
circunstâncias, a EaD reforçará a exclusão de estudantes em vulnerabilidade
social, portadores de necessidades educacionais específicas e daqueles que já
podem estar sofrendo as consequências mais graves da pandemia covid-19. Não se
trata de um ato heroico a obrigatoriedade do ensino a distância nesse momento,
mas sim de um ato excludente.”
São várias,
portanto, as problemáticas circunscritas a esse processo. A princípio porque
esse investimento em EaD tem sido feito pelo ensino privado, criando uma
disparidade em relação àqueles que dependem do ensino público. Mas, ainda mais
profundo, mesmo dentro da realidade de quem está no ensino privado, não são
todos/as que possuem acesso às plataformas digitais, ou que possuem um computador
em casa, tampouco que esse computador seja de uso exclusivo. Há famílias em que
todos precisam usar o mesmo equipamento para trabalhar, estudar e se informar e isso se agrava quando a família é mais numerosa.
Há, obviamente, os casos em que nem se quer existem os equipamentos e o acessos à
internet, já que sabemos que nos segmentos populares, muitas famílias recorrem
à escola para garantir aquilo que seria básico, mas que não conseguem ter em
suas casas – seja alimentação ou recursos educacionais. Segundo BANDEIRA e PASTI
(2020),
A luta pelo reconhecimento da internet como
bem essencial, no entanto, não é uma defesa de que as atividades escolares
adotem a educação à distância como única solução para os tempos de pandemia. A educação não se resume a uma mera
transmissão ou depósito de conteúdos. A substituição acrítica e acelerada dos
processos presenciais em curso por práticas de EaD (ensino à distância) pode
causar uma série de problemas no curto, médio e longo prazos.
A desigualdade de acesso à internet e a
equipamentos adequados pode aprofundar os abismos da desigualdade educacional
no país. Além disso, muitas instituições desconsideram as condições familiares
e sociais que impactam a diversidade de capacidades de estudo — desde a saúde
física e mental em tempos de isolamento e pandemia aos espaços e condições de
estudo domésticas, passando pelas tarefas diversas dos estudantes e docentes e
suas condições de habitação. (BANDEIRA e PASTI, 2020. Grifos nossos)
Tem sido uma
realidade muito atípica o que estamos enfrentando. Além de toda problemática
que fora citada, há também uma preocupação em como a adoção precipitada de modelos de
educação à distância ou mesmo o controverso homeschooling poderá
potencializar quem aposta nesses modelos como forma de
substituição da sala de aula, e se aproveitar desse momento para implementar
seus objetivos.
É uma conjuntura
para estudarmos as possibilidades, de forma que não se tome decisões que
acirrem ainda mais as desigualdades na dimensão que estamos tendo. Utilizar a
EaD sem considerar os níveis de desigualdade e sem estarmos preparados para
isso, é acentuar cada vez mais o problema. E isso está intimamente ligado ao
modelo de educação que desejamos desenvolver – dialógica, crítica e sensível. Se
por um lado lutamos cotidianamente para garantir uma educação crítica, sensível
com relação à realidade do outro, libertadora, incentivadora; por outro lado
assistimos a um cenário que induz a uma educação acrítica, com um vínculo
obsessivo da obrigatoriedade pragmática.
Referências Bibliográficas:
BANDEIRA Olívia; PASTI, André. Como o ensino a distância pode agravar as
desigualdades agora. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/ensaio/debate/2020/Como-o-ensino-a-dist%C3%A2ncia-pode-agravar-as-desigualdades-agora.
Acesso em: 05/04/2020.
Nota da Direção
do Colégio Pedro II, Campus Tijuca II: Por que não é possível Educação a
Distância (EaD) agora? Disponível em: http://www.cp2.g12.br/blog/tijuca2/2020/03/20/nota-da-direcao-do-campus-tijuca-ii-sobre-educacao-a-distancia-ead/. Acesso em: 05/04/2020
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