terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Folder trabalho de campo IV Seminário Nacional Metrópole



Artigo realizado sobre o trabalho de campo ocorrido durante o IV Seminário Nacional Metrópole


EM BUSCA DAS PRESENÇAS NEGADAS E DAS RESISTÊNCIAS AO PORTO MARAVILHA: RELATO COLETIVO DE UM TRABALHO DE CAMPO

 

Grupo PET-Geografia-IM/UFRRJ[1]

 

A cidade do Rio de Janeiro tem passado por uma série de obras e reformas que - para além da preparação da cidade-sede de eventos internacionais - buscam adequá-la à lógica do imediatamente rentável, especialmente nos setores imobiliário e turístico. O Porto do Rio, seguindo uma tendência internacional de requalificação urbana de áreas portuárias, tem recebido investimentos que revelam a força das parcerias público-privadas em projetos desta natureza, como se pode notar nas obras do chamado Porto Maravilha. Visto que o discurso usado pelos empreendedores do projeto conecta-se à chamada 'revitalização urbana', nos questionamos sobre como determinados grupos sociais se opõem à ação pragmática e instrumental dos agentes da requalificação urbana, evidenciando a resistência das camadas populares que historicamente estiveram ali lutando para garantir sua permanência neste espaço da cidade.

Os vínculos destes grupos populares com o lugar são reafirmados na luta pelo direito à cidade, especialmente no que se refere ao direito à participação nos processos que afetarão fortemente seu cotidiano. Estes grupos disputam os sentidos da ‘revitalização’ e pretendem permanecer na área e se beneficiar das transformações empreendidas pelo referido projeto. Em algumas situações, como no caso de moradores do Morro da Providência, da ocupação sem-teto Quilombo das Guerreiras ou mesmo da luta quilombola na Pedra do Sal, evidencia-se uma resistência à razão instrumental, que por vezes desconsidera a história de vida dos moradores.

Buscando compreender como se dá implantação de um grande projeto urbano por meio de uma ‘ação discursiva’, buscamos o exemplo das obras do projeto Porto Maravilha e nos propomos a analisar o Circuito Histórico Arqueológico de Celebração da Herança Africana[2]. Para tanto, além dos pré-campos realizados durante a pesquisa para elaboração do trabalho “Remoção e resistência no Rio de Janeiro: lutas pelo direito ao centro da cidade”, nos propusemos a conduzir um roteiro de campo durante o IV Seminário Nacional Metrópole: Governo, Sociedade e Território com vistas a proporcionar aos participantes do evento, uma experiência de encontro com o discurso hegemônico e de suas contradições, por meio do reconhecimento das resistências e falas antagônicas à ação instrumental dos responsáveis pelo projeto ‘Porto Maravilha’[3].

Iniciamos o roteiro na exposição Meu Porto Maravilha, um container montado na Av. Barão de Tefé que, aliando cenografia, tecnologia, design e conteúdo, apresenta em uma luminosa mostra o passado, o presente e o futuro da região com toda a carga sensória provocada pela técnica e pela estética eletrônica para envolver o espectador na proposta da ‘revitalização’ e ‘modernização’ da área. A visita à exposição poderia resultar na sedução do participante pela ação discursiva da ‘revitalização’ e da ‘modernização’, mas corremos o risco para poder apresentar aos participantes o maior número de informações sobre a região (mapas, fotos e outras imagens) e entendemos que cada um tem o direito de se afetar pelo que considerar melhor.

Em seguida seguimos o roteiro do trabalho de campo, cujo objetivo era permitir o questionamento das intencionalidades de um circuito turístico produzido como ação cultural. Partimos do pressuposto que tal ação estabelece uma leitura parcial dos usos do lugar, que tende a ser desfavorável à presença popular na área, como nos pareceu evidente nas falas de moradores do Morro da Providência impactadas pelas obras do projeto.

O trabalho de campo busca a valorização da história da presença popular e dos saberes que permitem a sobrevivência em contextos antagônicos (RIBEIRO, 2012), expressos, sobretudo na luta dos quilombolas da ArqPedra, por ser a situação que melhor representa a disputa de sentidos entre o discurso hegemônico e a leitura dos “de baixo”. Questionamos se a proposta de ‘celebração da herança africana’ por meio de um roteiro turístico não cristaliza a história da população negra no local sem garantir o direito à sua permanência concreta no presente-futuro. Ao que nos parece, a herança lida apenas como memória, não garante a presença e permanência e isso pode ser percebido pelos moradores do lugar. A necessidade da valorização não está relacionada somente à materialidade urbana, como também ao que foi cotidianamente construído, que envolve as práticas e vivências daqueles que habitam no lugar.

Aliás, há uma distinção histórica, que é também retórica, entre lugar e local (Ribeiro, 2005). Se no lugar existe uma arte do fazer (Certeau, 2003) uma maneira de crer sustentada por linguagens únicas, arte praticada, sobretudo pelos mais pobres, o local acaba sendo afetado por ações que vêm de fora e que criam localmente desordem. Para Ribeiro (2005), “os lugares armazenam a oposição sagaz às ordens que emanam desta técnica e racionalidades alternativas orientadoras de usos solidários dos objetos” e “impedir o antagonismo à presença popular nos lugares modernizados e, ao mesmo tempo, sustentar a continuação do aprendizado da resistência à segregação social” é para a autora um enorme desafio ao desenvolvimento local.

 

Contradições do Circuito Histórico e Arqueológico de Celebração da Herança Africana: o que se celebra afinal?

O Circuito Histórico Arqueológico de Celebração da Herança Africana é uma ação discursiva do Porto Maravilha que pretende dar destaque a locais que compõem a história da população negra na área portuária: Cais do Valongo, Instituto Pretos Novos (IPN), Pedra do Sal, entre outros. Tais locais passaram a ser tratados como sítios arqueológicos quando foram encontrados objetos que permitem recontar a história da presença negra e da escravidão no Rio de Janeiro. Um exemplo é o Instituto Pretos Novos, onde foram descobertas várias ossadas humanas daqueles que não sobreviviam à longa viagem desde a África até o Brasil. Já a Pedra do Sal, é reconhecida por abrigar elementos da cultura negra, como as rodas de samba, jongo e capoeira, mesmo que hoje em dia existam outras festividades no local, quase sempre destinadas à diversão de um público externo ao local, que quase nada faz lembrar a cultura negra a ser celebrada.

Os marcos históricos ressaltados pelo circuito promovido pelo Porto Maravilha são importantes e necessários para a valorização da memória negra na área do porto, mas entendemos que também é urgente pensar que a presença da população negra não está somente nos relatos históricos, ou presa a um determinado bem concreto.

Até que ponto o Circuito Histórico e Arqueológico de Celebração da Herança Africana cristaliza a memória negra no local sem permitir sua permanência ou (re)existência?

Diante de uma ação discursiva como a da modernização proposta pelo Porto Maravilha, é possível garantir a co-presença da experiência popular com a racionalidade instrumental do Porto Maravilha tendo tanto apoio para difundir-se como ideário urbano?

Enquanto o discurso feito pelos empreendedores e prefeitura de valorização da herança negra, vê-se que na prática para a realização destas atividades tem ocorrido a expulsão de grupos populares que vivem e trabalham nesta área foco do projeto e que gostariam de ser beneficiados pelas transformações ocorridas. O que tem levado ao surgimento de movimentos de luta pelo lugar, demonstrando a vontade de permanecerem onde estão. Como exemplo, há remoções residenciais no Morro da Providência, promovidas pela própria secretaria municipal de habitação, justificadas quase sempre com o argumento do risco ambiental e o discurso antagônico das resistências como a do Fórum Comunitário do Porto, na ação política ou mesmo de movimentos culturais como a Casa Amarela, que pudemos visitar durante o trabalho de campo.

Assim, a proposta do campo foi percorrer os pontos destacados pelo circuito turístico proposto pelo Porto Maravilha, buscando desconstruir a ação discursiva que, ao nosso ver, cristaliza a memória da herança africana em forma de pontos de visitação, mas que na prática, dificulta a presença popular nas áreas de interesse do projeto.

 

 >> Antigo Cais do Valongo

Localizado na atual Rua Barão de Tefé, o cais foi construído por determinação do Vice-Rei, Marquês de Lavradio, para retirar o desembarque e comércio de africanos da Rua Direita, atual Primeiro de Março. O local se tornou porta de entrada para uma enorme quantidade de negros no Brasil, principalmente do período de 1811 a 1831. Este registro histórico permaneceu soterrado por 168 anos, sob uma camada de 60 centímetros de espessura pelo ancoradouro que em 1843 foi chamado de Cais da Imperatriz, em homenagem a Princesa Teresa Cristina de Bourbon, noiva do futuro Imperador D. Pedro II, que ali desembarcou ao chegar ao Brasil, fato que fomentou o remodelamento e embelezamento do cais. A redescoberta do ancoradouro do Valongo ocorrida durante o período de escavações realizadas pelas obras de requalificação urbana da Zona Portuária da cidade do Rio de Janeiro em 2011, quando foram encontrados diversos objetos de uso pessoal dos negros que ali desembarcavam no período escravista brasileiro e por aqueles que permaneceram nas localidades após a abolição da escravatura.

 

>> Jardim do Valongo

O Jardim do Valongo foi construído em 1906, nesse período se apresentava um grande projeto de reurbanização do Rio realizado pelo então prefeito Pereira Passos. A criação do jardim resultou do alargamento da Rua do Valongo, hoje Rua Camerino, essa rua faz ligação entre o Porto e o centro da cidade. Devido à expansão da rua necessitou-se fazer um uma obra de contenção e para aproveitar o espaço foi construído um jardim suspenso, um local agradável com vista privilegiada do centro, para passeio da sociedade nos fins de tarde. Ainda no jardim, foram colocadas as quatro estátuas dos deuses Minerva, Marte, Ceres e Mercúrio, que foram retiradas do Cais da Imperatriz. Encontra-se também ao lado do jardim a Casa da Guarda, onde nesse período era utilizado como vigilância do comercio de escravos. Hoje, a prefeitura do Rio coloca o Jardim do Valongo como um dos pontos de destaque do Circuito Histórico Arquitetônico da Celebração da Herança Africana, a área foi restaurada e está aberta à visitação. Mas neste ponto a contradição se evidencia: que valor o jardim e a casa da guarda teriam para celebrar a herança africana? Vários são os questionamentos a serem levantados a respeito deste Circuito Histórico e Arqueológico que visa celebrar a herança africana. O jardim do Valongo era um local de passeio e contemplação da chamada ‘sociedade carioca’ e vale ressaltar que nesse período o negro/escravo não era considerado como parte da sociedade, sendo sua única forma participação no referido local a própria construção do jardim. A Casa da Guarda, que anteriormente servia como o controle da comercialização dos negros escravizados, também foi restaurada, e hoje abriga peças encontradas durante as recentes obras na área portuária. A história destes locais evidencia a presença negra durante anos nesse espaço, seja com sua comercialização como mercadoria, com o seu trabalho na construção material do lugar, seja por meio de suas práticas culturais tão vitais para a identidade e cultura nacional. Questiona-se de que maneira o negro é contemplado nestas arquiteturas tão valorizadas pelo circuito histórico. Percebe-se que o mesmo foi inferiorizado durante anos neste mesmo espaço, onde sua história e sua cultura tiveram muita dificuldade para serem reconhecidas pela ‘sociedade’ através da negação de sua presença.

 

>> Pedra do Sal

Nesta área era feito o descarregamento do sal que vinha da Europa, mas esta atividade foi posteriormente substituída pelo comércio de escravos. Com a abolição da escravatura e a posterior valorização da cultura e costumes dos negros, constituiu-se ali a Pequena África[4]. Como testemunho mais que secular da africanidade brasileira, espaço ritual consagrado e o mais antigo monumento vinculado à história do samba carioca, a Pedra do Sal foi tombada definitivamente em 1987. Em 2006, foi reconhecida como uma comunidade remanescente de quilombo pela Fundação Palmares e pelo INCRA. Atualmente, a comunidade quilombola Pedra do Sal tem visibilidade pela rodas de samba que acontecem lá semanalmente, o que é bastante valorizado pelo Projeto Porto Maravilha como atividade turística vinculada à herança africana. Contudo, tal visibilidade turística omite, ao mesmo tempo, a luta desta comunidade pela titulação do seu território quilombola, que é respaldada pela Constituição Federal de 1988. Esta busca pela titulação fez com que os quilombolas se reunissem e criassem a Arqpedra (Associação da Comunidade Remanescente do Quilombo Pedra do Sal), até mesmo para atender a legislação que diz que o título de propriedade de terra quilombola deve ser concedido coletivamente e não individualmente. A Arqpedra se uniu ainda devido a disputa com a VOT (Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência). Disputa que tem impedido a concessão do título de propriedade de terra e que ameaça a moradia de muitos quilombolas, porque a perda desta implicaria no despejo de alguns quilombolas[5].

 

>> Instituto Pretos Novos

O Instituto Pretos Novos oferece ao visitante uma exposição sobre o que é denominado Cemitério dos Pretos Novos[6] localizado no bairro da Gamboa no Rio de Janeiro. Em meados do século XIX, esta área era conhecida como a pequena África por ali existir a maior quantidade de africanos fora de seu continente. Neste local estão depositados restos mortais de milhares de africanos que eram trazidos à força para o Brasil. A casa que ali foi construída, passou por uma reforma no ano de 1996 e no processo de escavação foram encontradas ossadas humanas e também argolas, colares, porcelanas entre outros artefatos. Os relatos de viajantes como G.W. Freireyss que por aqui estive no século XIX, nos conta em seu livro: Viagem ao Interior do Brasil (1982), que o cemitério não passava de “uma montanha de terra e de corpos despidos, em decomposição, que de tempos em tempos eram queimados.” Os cadáveres, geralmente nus, eram carregados por dois outros negros, e vinham envoltos em esteiras de forma descuidada. Lançados em verdadeiras valas coletivas, lugares sem covas e sem caixões, eram cobertos por um pouco de terra, e ficavam quase expostos, exalando um forte odor desagradável. É preciso refletir se esse ‘achado histórico’ que traz uma lembrança tão brutal com relação a história dos negros, realmente é objeto de uma celebração. Afinal, este museu enfatiza um passado perverso, desumano e desrespeitoso com os negros, que se reflete na sociedade contemporânea e antes do Porto Maravilha vislumbrar a possibilidade de incluí-lo como ponto de visitação de um circuito com finalidade turística, estava (e de certa forma continua sendo) um lugar invisível aos olhares dominantes.

 

>> O Morro da Providência e a lógica econômica turística do teleférico

Considerando a área impactada pelo Porto Maravilha, os efeitos mais evidentes do processo de construção do projeto são sentidos no cotidiano dos moradores do Morro da Providência, local que é um ponto Circuito Histórico Arquitetônico da Celebração da Herança Africana.

O morro da Providência é uma das mais antigas favelas da cidade do Rio de Janeiro e sua gênese possui distintas versões. Das histórias mais conhecidas sobre sua origem, destacam-se aquelas relacionadas com a ocupação por negros que voltaram da guerra do Paraguai e, posterirmente, soldados regressos da Guerra de Canudos, estes inclusive denominaram inicialmente o local como morro da Favela, devido à planta "favela", originária do Nordeste. Segundo Abreu (1992), o próprio governo permitiu a ocupação dos morros da área central, com a promessa de ser provisório, por se tratar da solução mais rápida encontrada pelo governo para a habitação popular, como permanece até os dias de hoje. No projeto Porto Maravilha, o Morro da Providência aparece como mais um atrativo turístico da cidade maravilhosa[7]. Reformas estratégicas estão sendo realizadas para que a comunidade esteja apta a receber o turismo e a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora também tem como objetivo fortalecer o propósito de ampliar o turismo no lugar. Contudo, moradores questionam a finalidade de tais reformas, afirmando que as mesmas não contemplam as reais necessidades daqueles que vivem na favela. 

Durante o trabalho de campo realizado, o primeiro ponto abordado na Providência foi a antiga Praça Américo Brum, onde houve a destruição da única quadra de esportes da comunidade para a construção da estação do teleférico[8]. Na época da demolição da quadra houve questionamentos de muitos moradores que faziam uso desta área para numerosos eventos, além do uso diário pelos jovens e adolescentes para a prática esportiva. Com base nas conversas tidas com moradores, o que nos parece ter havido foi a total falta de diálogo por parte dos órgãos oficiais de Governo, já que não houve sequer uma consulta popular aos que usavam o espaço no dia a dia, para que pudessem opinar sobre a construção da estação do teleférico neste local.

Durante o trabalho de campo no Morro da Providencia visitamos a Casa Amarela, que é um projeto conduzido pelo fotógrafo Mauricio Hora, cujo objetivo é documentar o cotidiano do Morro da Providência como forma de afirmar os direitos dos moradores com relação ao lugar. O fotógrafo se destaca no movimento de resistência contra a falta de diálogo do poder público dentro da comunidade, afirmando que seu trabalho ajuda a demonstrar o quanto as pessoas da favela estão indignadas com essa situação. Maurício nos acompanhou até os mirantes do Morro, construídos por programas governamentais na década de 1990[9] e fez críticas às ações que fazem um uso turístico do lugar sem se preocupar com o cotidiano do morador. O trabalho de Maurício na Casa Amarela nos parece um exemplo interessante de resistência local aos objetivos corporativos do Porto Maravilha.

 No último ponto observamos o Oratório, que foi inaugurado em 1900 com o objetivo de ser o redentor do Rio de Janeiro, mas que com o desenvolvimento do município para outras áreas, e a construção do Cristo Redentor, acabaram tirando sua visibilidade. No Projeto Porto Maravilha há a proposta de se resgatar a visibilidade do Oratório para que ele possa ser visto da parte baixa do centro da cidade, mas para isso um conjunto de casas teria que ser removido. A grande questão neste caso é que a “visibilidade do oratório” acaba servindo de argumento e justificativa para a promoção de remoções de moradias localizadas próximas à construção, evidenciando a forma arbitrária com a qual a prefeitura do Rio se coloca diante da situação. Assim, o caso acaba sendo o exemplo mais concreto que o olhar do Porto Maravilha para o Morro da Providencia não está direcionado à melhoria de vida dos moradores e sim revela um interesse de se utilizar o lugar como mirante privilegiado, já que por sua localização na área central da cidade, possui uma visão panorâmica e privilegiada da paisagem urbana. Na verdade, a inscrição da SMH (Secretaria Municipal de Habitação) nas fachadas das casas revela uma política de remoção e não de habitação[10], na qual a Secretaria que deveria promover ações destinadas a solucionar os problemas habitacionais, surge marcando as casas que serão desapropriadas.

Através desse trabalho de campo foi possível escutar a fala dos moradores e ver que a presença do Estado na comunidade está longe de atender aos anseios dos moradores, já que estes sinalizam uma crítica ao projeto do Porto Maravilha que em sua visão contempla prioritariamente os interesses econômicos, como aqueles relacionados aos mercados imobiliário e turístico. Ao que nos parece, o teleférico instalado no Morro da Providência tende a favorecer tais mercados, já que se trata de mais um empreendimento que fala em mobilidade e que permitirá maior acesso ao morro que com sua da bela vista proporciona um uso turístico do local, sem garantias de que irá beneficiar os moradores.

Marcia Regina de Deus, estava em sua janela como no vídeo Casas Marcadas, no dia do trabalho de campo e nos confirmou a insatisfação com o modo como as obras do teleférico foram impostas e diz que o modelo de favela que o governo quer é “pra inglês ver” e que eles podem pressionar o quanto quiserem que ela não sairá dali. A resistência em pessoa essa dona Marcia Regina!  

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta de percorrer o circuito proposto pelo Porto Maravilha que aparece como ação discursiva da ideia de modernização e embelezamento a cidade que tentam justificar ações autoritárias por parte dos governos em relação aos grupos populares, foi revelar a contraditória proposta de ‘celebração da herança africana’, mas que não permite o uso popular dos espaços remodelados por sujeitos historicamente pertencentes ao lugar. O problema está no fato destas melhorias beneficiarem apenas uma determinada camada social e excluírem grupos populares historicamente vinculados à zona portuária. Fica evidente que as melhorias urbanas não estão dirigidas à população que habita favelas, ocupações e outros tipos de habitação popular que não são bem-vindas no Porto Maravilha, já que esta operação público-privada possui todas as características de um grande projeto urbano (GPU), cujo objetivo é atender às demandas do setor empresarial e imobiliário. Enquanto uma parte irá se incluir ao novo espaço valorizado pelo mercado imobiliário, a outra parte é retirada do lugar onde nasceu e onde se sente pertencente, para dar lugar a um teleférico ou a um empreendimento que beneficiará sujeitos que não pertencem ao lugar.

Escolhemos pensar as formas de resistência por meio de movimentos da sociedade que nos permitam refletir sobre as formas de apropriação do território. Buscamos compreender pertencimentos, vínculos e identidades criadas ao longo de histórias de vida, que revelam o território prenhe de sentimentos, como nos mostraram as visitas à Casa Amarela no Morro da Providencia e a conversa com moradores do lugar na ocasião do trabalho de campo.

Outros casos não tratados neste trabalho de campo por exigir um tempo maior para a atividade são exemplos de luta pela moradia e por representarem o descaso por parte do ‘poder público-privado’ estes movimentos não surgem somente dos moradores ameaçados pela remoção, mas envolve grupos interessados em conhecer as histórias e a memória negra do lugar, percebendo inclusive as artimanhas da racionalidade instrumental que se utiliza supostamente valorização da cultura e da memória popular para a construção de ícones urbanos, muitas vezes cristalizados em museus e objetos/equipamentos culturais muito adequados à cidade espetacularizada, mas que acabam servindo ao apagamento de outras leituras.

Tal como Herschmann (2005a, p. 90) sugere, não só a mídia se constitui numa “arena” na qual diferentes discursos concorrem engendrando diferentes sentidos, como também cada discurso, em si mesmo, abriga perspectivas diversas e, muitas vezes, posições até contraditórias. Enquanto o discurso hegemônico penetram, com facilidade, o espaço público (Ribeiro, 2005b), os sujeitos da contestação evidenciam em seus discursos a existência de uma “cidade polifônica” (HERSCHMANN, 2005a), isto é, uma cidade em que as vozes dissonantes e as ações insurgentes fortalecem e configuram uma instabilidade social, mas também uma luta simbólica pelo direito à apropriação e ao uso da cidade. Atividade de campo foi, portanto, uma enorme oportunidade para caminhar pela cidade e, por meio da escuta sensível das falas fragmentadas que vêm das ruas, alcançar a ação de resistência ao discurso que se pensa único.

 

 

BIBLIOGRAFIA

ABREU, M. A. Evolução Urbana do Rio de Janeiro, IPP, Rio de Janeiro, 2006, 4ª Ed.

ARANTES, Érika Bastos. O Porto negro: Cultura e Trabalho no Rio de Janeiro dos primeiros anos do século XX. Campinas, 2005. 112 p. Dissertação (Mestrado). Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2005.

CARLOS, Ana Fani Alessandri. A metrópole polifônica – poliorâmica. In. O espaço urbano: novos escritos sobre a cidade. Edições Labor: São Paulo, 2007a.

CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes do fazer. Petrópolis, Editora Vozes, 3a edição. 9ª edição, 2003 [1ª edição, 1990]

CAMPOS, Andrelino. Do Quilombo à Favela - A Produção do “Espaço Criminalizado” no Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2010.

FREIREYSS. G. W. Viagem ao Interior do Brasil. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1982.

MONTEIRO, J. C. C. dos Santos e ANDRADE, J. S. C de. Porto Maravilha a contrapelo: disputas soterradas pelo grande projeto urbano. E-metropolis nº 8. Ano 3. Março, 2012.

RIBEIRO, Ana Clara Torres. Por uma sociologia do presente: ação, técnica e espaço Rio de Janeiro: Letra Capital, 2012.

______. O desenvolvimento local e a arte de resolver a vida. Em Sidney Lianza e Felipe Addor (org.) Tecnologia e desenvolvimento social e solidário. Porto Alegre: UFRGS, 2005

______. Outros territórios, outros Mapas. Revista do Observatório Social da América Latina. Buenos Aires, Ano 6 ene-abr, 2005b.

ROLNIK, Raquel. Fórum Nacional de Reforma Urbana realiza Jornada nesta terça,-http://raquelrolnik.wordpress.com/2011/10/04/forum-nacional-de-reforma-urbana-realizajornadanesta-terca-em-todo-o-pais/, data de acesso: 03 de agosto 2012

SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4ºed. São Paulo:Edusp, 2003.

SMITH, N. The new urban frontier: gentrification and the revanchist city. Londres:Routledge, 1996.

TRAMONTANI, T.R. As barricadas do hiperprecariado urbano: Das transformações no mundo do trabalho à dinâmica sócio-espacial do movimento dos sem-teto no Rio de Janeiro. 2012. Tese – Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

 



[1] Artigo de autoria coletiva desenvolvido no âmbito do Programa de Educação Tutorial (PET) do curso de Geografia - IM/UFRRJ sob a orientação da Profª. Drª. Anita Loureiro de Oliveira. Discentes do PET-Geografia IM/UFRRJ: Andréia Ribeiro, Bruno Pereira, Bárbara Marques, Camila Fernandes, Carolina Peres, Elaine Azevedo, Filipe Emanuel, Henderson Neiva, Michella Araújo, Nathália Oliveira, Rafael Romano e Wallace de Araújo.
[2] Sob a coordenação da Subsecretaria de Patrimônio da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, o Circuito Histórico e Arqueológico de Celebração da Herança Africana foi criado no âmbito do programa Porto Maravilha Cultural, como um roteiro de visitação que inclui um conjunto de locais da memória da cultura afro-brasileira que inclui o Cais do Valongo, os Jardins do Valongo, a Pedra do Sal, o Largo do Depósito e o Instituto Pretos Novos, além do Centro Cultural José Bonifácio, fechado para obras.
[3] Para a realização do trabalho de campo estabelecemos uma parceria com o NEGRAM-UERJ/FFP.
[4] A região portuária do Rio de Janeiro era conhecida, em meados do século XIX, entre 1850 e 1920 como A Pequena África, por nela existir a maior concentração de africanos fora da África. No início do século XIX, mais de 70% dos escravos na cidade do Rio de Janeiro eram de origem africana. Mais de 10 milhões de cativos foram retirados do continente africano de 1500 a 1850 e quase metade deles desembarcou no Brasil.
[6] O então chamado Cemitério dos Pretos Novos funcionou entre os anos de 1769 e 1830. Era o local onde milhares de corpos de negros recém-chegados à colônia, mortos devido aos maus tratos durante a travessia do Atlântico eram depositados. Com a proibição do tráfico negreiro, o cemitério foi fechado e a memória de sua existência sepultada em razão dos sucessivos aterros ocorridos na região.
[8] O teleférico instalado no Morro da Providência possui três estações, a da Central do Brasil, localizada ao lado da estação de trem Central do Brasil, a do Morro da Providência, localizada no alto do Morro na antiga praça Américo Brum, e a estação da Gamboa, que fica aos fundos da Cidade do Samba, na área portuária. O projeto para a instalação do teleférico começou em 2010, porém as obras começaram de fato no início de 2012.
[9] Na providencia há um caminho marcado por placas de metal que forma uma espécie de trilho no chão da comunidade que no momento de sua instalação, no contexto do favela-bairro, previa a criação de um museu a céu aberto, onde a própria favela fosse o museu. O objetivo de estimular a visitação do morro parece ainda hoje não muito bem-vinda entre os moradores, que dizem que o turista geralmente é distante e não traz benefícios diretos ao morador. Na parte alta do morro, bem perto dos mirantes, uma moradora lavava os cabelos na rua, pois, segundo Maurício Hora, há problemas no fornecimento de água devido a um problema na obra de canalização de água nesta parte da favela. Em outros locais fica evidente a ausência de políticas públicas que garantam a melhoria das condições de vida da população. A polícia militar continua sendo a principal instituição do Estado na comunidade.
[10] Fala do Fotógrafo Mauricio Hora, no vídeo Casas marcadas.  Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=xao_4b8DJ_k - Acesso 03/11/2013) 
 

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

CINEPET-Geo: Ensaio sobre a cegueira


No dia 10 de dezembro foi exibido o longa “Ensaio sobre a cegueira”, retratando uma inédita e inexplicável epidemia de “cegueira branca” que atinge uma cidade, na medida em que as pessoas são afetadas elas são colocadas em quarentena e serviços são oferecidos pelo Estado. Logo, estes começam a falhar, e os indivíduos passam a lutar por suas necessidades básicas, expondo seus instintos primários. A partir destas exposições, o vídeo-debate e a leitura recomendada do livro “A natureza do espaço: Técnica e tempo, razão e emoção” de Milton Santos, geraram questionamentos interessantes e instigantes em relação ao desmoramento moral que ocorre de um dia para o outro com tal situação. A cegueira branca contraposta com a sociedade atual surge como o brilho da luz que cega, sendo o excesso de informações desordenadas que nos confunde, ao invés de esclarecer, funcionando como uma forma de enxergar a natureza humana, além das aparências civilizadas.

 Tratamos de uma reflexão do que realmente somos, em essência, e não do que pensamos que somos. Foi possível ponderar que a aproximação dos indivíduos se dará diante da renúncia dos padrões estéticos, derrubando barreiras sociais e revelando a possibilidade real do amor. Desfazendo a normalidade das mentiras impostas pelos “padrões sociais”, tendo como finalidade para a nossa sociedade a recuperação da lucidez, o resgate do afeto e o encontro da humanidade perdida.


Andréia Ribeiro - Bolsista PET

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Sessão CINEPET - No Tempo das Borboletas


No dia 05 de Novembro foi realizado mais uma sessão CINEPET, com o filme No Tempo das Borboletas. O filme fala sobre a ditadura na República Dominicana em 1938, liderada por Rafael Trujillo e atuação política da população, e em especial às Irmãs Mirabal. Para além desta discussão o filme nos convida a refletir sobre a atuação da mulher hoje em nossa sociedade, tanto no campo político propriamente dito como na família, trabalho e estudos.
O debate após o filme foi de grande relevância, pois trouxe a oportunidade de mulheres e homens discutirem o pensamento hegemônico que se tem sobre a mulher. Dentro disso, enxergamos a urgência da expansão desse debate de maneira transversal, seja nas escolas, universidade e espaços informais.




domingo, 27 de outubro de 2013

IV SEMANA DE INTEGRAÇÃO - GEOGRAFIA




Relato de experiência - Oficinas de Fotografia com o Coletivo Pandilla Fotográfica

    
   Durante os meses de agosto e setembro, o grupo PET-GEOGRAFIA/IM participou de um curso de fotografia ministrado pelo Coletivo Pandilla fotografica. Nele foram abordados assuntos referentes à tecnica fotográfica e à historia da fotografia. Ainda foram apresentados diversos trabalhos de fotógrafos como forma de mostrar as diferentes possibilidades do fazer e do expressar-se através da fotografia.

   Ainda como parte do curso, foram realizadas idas a campo com a intenção de praticar o fazer fotográfico e de observar outras questões de interesse da fotografia e da geografia. Foram as seguintes saídas à campo: Roteiro pelas ruas do centro do Rio; visita ao morro da providência, na qual além de observarmos a interferência do projeto Porto Maravilha na vida da população local, pudemos conhecer o fotógrafo Mauricio Hora e a Casa Amarela; e uma visita ao Jardim Botânico, onde visitamos a exposição "Genesis", do fotógrafo mineiro Sebastião Salgado.

   Como produção final deste curso, foi montada a exposição "território do invisível" que trata das situações, pessoas e espaços que, por diversos motivos, sofrem com o estigma da invisibilidade, tanto por parte da população quanto por parte do estado. A exposição foi apresentada pela primeira vez no IV Seminário Nacional Metrópole, realizado na Faculdade de Formação de Professores - UERJ,  como parte da participação do grupo PET no evento e posteriormente na IV Semana de Integração do curso de Geografia do IM-UFRRJ.

   O curso de fotografia, para além de maior familiarização com a técnica fotográfica, trouxe-nos uma maior sensibilidade ao olhar as situações ao nosso redor, que talvez pudessem passar despercebidas antes das oficinas. Temos certeza de que esta experiência pode nos ajudar, tornado a fotografia uma aliada da Geografia, e que será muito bem utilizada tanto na pesquisa e produção acadêmica quanto em situações em nossas vidas para além da universidade.


Filipe Emanuel
PET-Geografia/UFRRJ-IM