Dando continuidade ao seu ciclo de leituras e debates, o grupo PET-Geografia da UFRRJ debateu, no dia 18 de abril de 2018, o artigo acima titulado do autor Valter do Carmo Cruz, em um movimento para suprir a demanda (levantada em nossa reunião de planejamento) de temáticas relacionadas ao pensamento descolonial. O referido artigo é um capítulo do livro “Geografia e giro descolonial: experiências, ideias e horizontes de renovação do pensamento crítico”, organização de Valter do Carmo e Denílson Araújo de Oliveira (editora Letra Capital, 2017).
A importância da temática converge com a
identidade do nosso grupo, pois pautamos nossas ações na tentativa
máxima de construir pesquisas com base em experiências horizontais,
dialógicas, partindo de outros lugares de enunciação por meio da
construção de uma ciência mais sensível, humana, compromissada
com a emancipação dos laços hegemônicos da sociedade
moderno-colonial.
O texto é muito interessante para quem quer
começar a ler sobre o pensamento descolonial, porque o autor escreve
de forma clara e didática acerca de algumas concepções e conceitos
básicos da literatura desse movimento, sendo caracterizado por sua
posição crítica às formas de poder estabelecidas por opressões,
materializadas no cotidiano pela colonialidade do ser, da política,
da cultura, dos saberes e da natureza. Cruz começa o escrito
afirmando que a história da colonização não acabou como querem
fazer parecer alguns movimentos e linhas teóricas, pois muitas das
nossas relações na contemporaneidade são expressas com base no
poder colonial. Para o melhor entendimento de tais categorias, o
autor explica que usamos o termo “colonização” para indicar a
forma de periodização (relações pretéritas) e “colonialidade”
para se referir ao que se apresenta no tempo presente como herança.
Ou seja, a colonialidade está presente no nosso dia-a-dia em
variadas formas (objetivas e subjetivas) como processos oriundos da
colonização.
No campo da produção do conhecimento, isso se
revela pela imposição do método científico arraigado pelas
concepções positivistas, caracterizado por padrões dicotômicos e
hierárquicos, que se manifesta como saber privilegiado e verdade
absoluta, principalmente com a consolidação do capitalismo na
evolução do meio técnico-científico, tendo uma referência
geográfica única, o norte global. Esse é um movimento que gera
profundas violências epistêmicas, ou epistemicídios, pois o que
não é produzido dentro da academia e a partir do norte, é
desconsiderado, subjugado, silenciado e invisibilizado. Cruz afirma
que as nossas referências teóricas são formuladas por bibliotecas
hegemônicas, e que devemos pensar e valorizar as bibliotecas
descoloniais, que trazem as experiências teórico-metodológicas a
partir do Sul.
A partir da análise geográfica, Valter Cruz,
referenciado por Doreen Massey, afirma que a colonialidade está
presente na configuração dos lugares, sendo vistos a partir do
olhar linear-desenvolvimentista, como se todos os espaços estivessem
em uma linha cronológica de adaptação aos imperativos modernos,
discurso legitimado justamente por trazer o “desenvolvimento”
como motor das mudanças, não importando o massacre que isso pode
gerar para diversas vidas, como é o caso das diversas famílias
removidas de lugares estratégicos ao acúmulo de capital na cidade
do Rio no contexto dos megaeventos. Assim, os lugares são vistos sem
suas peculiaridades, cotidianidades e essências, são considerados
apenas pela posição que ocupam na fila da história. A superação
dessa forma de compreensão do tempo-espaço implica sérios e
profundos compromissos epistemológicos, políticos e éticos,
pautados em narrativas descoloniais que consideram o espaço como
esfera da possibilidade da existência da multiplicidade.
Para tanto, Cruz nos oferece alguns suportes
teórico-metodológicos baseados em alguns desafios, a saber: 1)
construir um pensamento descolonial enraizado nas especificidades e
singularidades da formação socioespacial brasileira; 2) construção
de um pensamento descolonial que efetivamente realize um giro
espacial/territorial; 3) ultrapassar o debate epistêmico e teórico
abstrato e fecundar essas ferramentas teóricas e epistemológicas
que o pensamento descolonial vem produzindo; entre outros.
Nosso intuito com esse breve relato foi o de
despertar a curiosidade do leitor e da leitora para a consulta do
artigo inteiro. É um texto que apresenta uma grande contribuição
para as bibliotecas descoloniais em diálogo com a Geografia. Que
possamos construir um novo modelo de ciência pautado no diálogo
nas/com as experiências do Sul, mais humana, plural, democrática e
emancipatória!
“Se o tempo é a dimensão da mudança, o espaço
é a dimensão da multiplicidade contemporânea.” (MASSEY, 2005)
Por: Gabriel Martins - Colaborador do grupo PETGEO-IM/UFRRJ