O texto
”Corpo, corporeidade e espaço na análise geográfica” foi sugerido para ser
debatido no grupo PET-GEOGRAFIA/UFRRJ- IM pela percepção dos e das
integrantes, da necessidade de se
debater os estudos de corpo na ciência geográfica. O debate foi realizado no dia 11 de abril de 2018. Na introdução do livro (maneiras
de ler: geografia e cultura) que se encontra este artigo, aborda-se "novas
fontes de saberes sobre os lugares", no sentido da pluralidade temática
existente no estudo das diversidades culturais e suas relações com o espaço
geográfico. Busca-se com essas contribuições "compreender a análise geográfica
que envolve o campo simbólico". (P.9) Uma maneira interpretar a realidade.
A introdução
do texto nos deixa clara a força que o espaço contém na construção dos
significados, quando a autora nos relata sua experiência em que sua
corporeidade foi vista como de uma travesti, pois estava em um lugar
predominantemente formado por travestis. Após esse relato, ela nos conta como o
texto vai ser desenvolvido e separado em duas seções, na primeira, a emergência
do corpo enquanto eixo investigativo na ciência geográfica, e a segunda
abordará sobre a contribuição da análise das sexualidades para compreensão da
relação entre corpo e geografia.
Nesse sentido, a
presente pesquisa utilizará como aporte metodológico a leitura da dimensão do
corpo na análise geográfica a fim de possibilitar uma compreensão sobre as
relações de poder, de pessoas e lugares referenciados ao longo do texto. É nos
trazido que no campo da geografia, as vertentes que realizaram esforços em
problematizar essa relação entre corpo e espaço foram as feministas, queer,
nova geografia cultural e fenomenologia.
A autora Joseli traz as contribuições da geógrafa
europeia Kirsten Simonsen (2000) sob o título ‘The Body as Battlefield'. “Ela
realiza sua análise reunindo as contribuições de geógrafos em três eixos: ‘As
geografias do armário’, ‘Outros corpos’ e ‘Transcendendo dualismos”. (p.30). O
primeiro eixo de abordagem geográfica exposto por Simonsen (2000) explora a
forma como os corpos são constituídos e usados, tendo como preocupação a
inscrição do poder e a capacidade de resistência dos corpos envolvendo as
questões de performatividade, a política do corpo e o corpo como um local de
contestação. O segundo eixo baseado nas ideias do feminismo, do
pós-estruturalismo e do pós-colonilismo aborda a necessidade de reconhecer as
diferenças e as relações de poder corporificadas, ligadas à sexualidade,
racialidade e origem étnica. O terceiro eixo tem tido a preocupação de
descontruir as dicotomias mente/corpo, mas também outras. Isso fica claro em: "As
reflexões em torno do desmantelamento da dicotomia corpo-mente, além de
possibilitar estudos sobre a representação cultural dos corpos em diferentes
contextos, também permitiu a emergência das ideias de instabilidade e fluidez
das identidades corporais, ultrapassando a ideia de corpo, entendido
tradicionalmente como algo fixo, para a ideia de corporeidade, a fim de
produzir a perspectiva de mutabilidade e movimento." (P.31)
Em seguida a autora
nos traz um esclarecimento necessário, que dialoga com proposta de Milton
Santos sobre o papel ativo da geografia (2000): "O conceito de
“conhecimento situado” tem sido um caminho teórico-metodológico bastante
promissor nas geografias feministas, evidenciando que a pesquisa concreta se
faz por cientistas que tem cor, gênero, corpo, sexualidade, posição política e
assim por diante. A posicionalidade de quem questiona o mundo é fundamental
para conceber as perguntas passíveis de serem realizadas e, sendo assim, os
resultados de uma trajetória de pesquisa deve conter a auto-avaliação de como a
posicionalidade da pessoa que investiga influência nos resultados
obtidos." (P.31). Visto isso, a ideia de posicionalidade é de extrema
importância para esse trabalho. O posicionamento feminista enquanto
pesquisadora influenciará na busca por uma superação de invisibilização das
relações de gênero que permeiam o espaço e que resultam em diferentes formas de
vivenciá-lo.
Na
segunda seção do texto, Joseli nos traz a abordagem do corpo às questões
relativas à sexualidade na análise geográfica, e nos contempla com sua analise
foucaultiana, mas também reconhecendo os seus limites, pois mesmo sendo
homossexual, Foucault ainda era homem, branco, europeu, e por conta disso
ocupava uma posição privilegiada na sociedade. Outra referencia importante que
falada nessa segunda parte é Judith Butler, que segundo a autora “suas obra
(2005, 2006) foi de fundamental importância para construir uma base teórica que
fosse capaz de refutar os argumentos ‘da
natureza’ em torno da morfologia das genitálias que definia as diferenças
sociais de gênero e as normas a serem impostas das práticas sexuais”.
A
ideia de sexualidade de Foucault irá refletir à cultura e aos costumes de um determinado espaço-tempo,
não sendo um "instinto natural". Logo em seguida é trazido a visão
sobre o corpo e as relações de poder envolvidas nessa construção:
"As ideias do corpo foucaultiano na
geografia permitiram a concepção de corpo como algo que não é fixo e nem mesmo
passivamente submetido ao poder. O corpo, alvo do poder, pode ser também o
lugar de subversão de toda a disciplina que o impõe. As marcas físicas como a
anatomia sexual, a cor da pele e outras só podem ser compreendidas por meio do
jogo de forças que constituiu o saber/poder sobre elas, suas significações e
sentidos" (p.33)
"Não
há como escapar das relações de poder, mas ela nunca ocorre de forma dual e
oposicional, pois a partir do momento em que há uma relação de poder, há uma
possibilidade de resistência. Jamais somos aprisionados pelo poder: podemos
sempre modificar sua dominação em condições determinadas e segundo uma
estratégia precisa” (FOUCAULT, 1984c, p. 241)."(p.33)
"A corporeidade assim, se dá na articulação
dos embates entre alma e corpo que criam dispositivos estratégicos entre ambos,
constituindo futuros incertos. A corporeidade se faz de extrema maleabilidade e
tem sido utilizada na Geogafia para superar o sentido biológico e
essencializado, tradicionalmente
atribuído ao corpo. McDowell (1999) argumenta que o corpo, não pode ser
concebido como entidade fixa e acabada, mas plástica, maleável e, portanto,
passível de adotar inúmeras formas em vários momentos, compondo assim várias
geografias." (p.33).
"A aceitação da identidade de gênero baseada
na anatomia corporal é uma “falácia” que se constrói como realidade. Ser um
homem ou uma mulher não é um fato natural, mas uma representação cultural em
que a “naturalidade” se faz por meio de um conjunto de atos impostos por um discurso,
que produz um corpo através de categorias de sexo e a finalidade dessa criação
é justamente criar uma identidade coerente para uma realidade estável"
(p.33). Neste ponto, a autora aborda sobre a construção social dos gêneros.
Outro
ponto importante nessa discussão é a restrição que certos corpos sofrem
dependendo do espaço e que estão inseridos, enquanto outros são “corpos
neutros”:
"A corporeidade sexuada está intimamente
relacionada com o espaço provocando acolhimento, indiferença ou exclusão. Por
exemplo, as demonstrações de afetos heterossexuais são “ações neutras” e
perfeitamente toleradas em espaços públicos, mas as manifestações homoeróticas,
por exemplo, são interditadas, sendo permitidas nos espaços privados ou em
locais claramente identificados como permissíveis ao afeto homossexual"
(p.34).
"As geógrafas Lynda Johnston e Robyn
Longhurst (2010) dedicaram um capítulo de seu livro sobre o corpo, intitulado
“Geografias íntimas”. Segundo elas a geografia pode analisar o corpo como
espaço e o corpo no espaço, argumentando que nossos corpos fazem diferença em
nossas experiências de espaço e lugar”.
"A relação entre corpo e espaço foi tema
central do livro “Pleasure zones: bodies, cities, spaces”. No prefácio
elaborado por Jon Binnie, Robyn Longhurst e Robin Peace o corpo está claramente
identificado com a perspectiva butleriana. Os geógrafos afirmam que embora o
corpo apresente uma materialidade, tal materialidade é sempre constituída
pelo discurso, assim como o espaço. Assim, tal como o corpo, o espaço também é
produzido discursivamente. A materialidade do espaço apresenta toda
força do discurso heteronormativo, mas também não é passível ao exercício do
poder regulatório podendo apresentar fissuras pelas quais emergem as forças de
subversão das normas estabelecidas." (p.35)
Essas citações nos permite pensar o corpo
enquanto território e ferramenta de luta contra as opressões, podendo assim
classifica-lo como de suma importância para análise geográfica. Portanto, os
estudos envolvendo corpo e geografia são emergenciais para podermos pensar
juntas e juntos como produzir um espaço plural, comum a todxs e justo.
Link de acesso:
https://laboter.iesa.ufg.br/up/214/o/MANEIRAS_DE_LER_GEOGRAFIA_E_CULTURAL.pdf (A partir da página 28)
Por: André Luiz Bezerra - Bolsista do grupo PETGEO-IM.UFRRJ