segunda-feira, 6 de abril de 2020

Favelas e periferias frente à Pandemia da Covid-19



Favelas e periferias frente à Pandemia da Covid-19

Fernanda Santos de Lima


Com a pandemia, comumente nos deparamos com notícias sobre formas de lidar com esse momento, sugestões para nossa saúde física e psíquica, sugestões que, inclusive, incluem formas de consumo que não exija o deslocamento; tais como, pedir comida via aplicativo, assistir a Netflix, aproveitar para fazer cursos de educação à distância (EaD). Entretanto, é necessário considerar a dimensão classista do momento que estamos vivenciando, e deixar de lado a romantização das fábulas que nos são contadas sobre a globalização (Santos, 2000).
As sugestões básicas conferidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), coloca o isolamento social em primeiro lugar, e bem sabemos que para nos isolar, é necessário termos abrigo (casa), o que não é a realidade muitos brasileiros. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), os dados de 2015 expõem que no Brasil mais de 101 mil pessoas encontram-se em situação de rua. Outra medida essencial para conter o avanço do vírus é ampliar a higienização, que inclui o hábito de lavar as mãos com água e sabão por um minuto e várias vezes ao dia, o que, considerando uma distribuição hídrica eficiente para todos, não seria um problema; mas essa não é uma realidade nas favelas. A falta de água tratada é uma problemática constante. A arquiteta e urbanista Tainá de Paula, sobre o Covid-19 nas favelas e periferias, em específico da região metropolitana do Rio de Janeiro, chama atenção também para o adensamento populacional nesses espaços que, trocando em miúdos, é sobre a concentração excessiva de pessoas num determinado espaço. Segundo o Infográfico da Desigualdade, disponibilizado pela Casa Fluminense no dia 23 de março, quartos com mais de três pessoas é a realidade de três mil casas da região metropolitana do Rio de Janeiro, com as favelas do complexo da Maré, Rocinha e Cidade de Deus, entre as regiões mais adensadas da capital. 
O vírus não chega num mundo como ele é, e sim, ao que tem sido feito do mundo; as formas que os governos têm se articulado e para quais pessoas esses sujeitos têm governado (Massey, 2008) precisam ser consideradas. Se a necropolítica (Mbembe, 2016), que decide quais corpos podem morrer, já era a lógica que prevalecia até então, num momento como esse, são esses corpos que estão numa posição de maior vulnerabilidade. São os corpos favelados, são os corpos pretos e pobres, e os corpos das mulheres os estão sendo mais violentados dentro de suas próprias casas. Se grande parte das pessoas que residem nas favelas encontram extrema dificuldade de acatar as orientações básicas para proteger-se, e até mesmo, não obtém as mínimas condições para a sobrevivência digna em meio à crise, todas essas questões tornam-se questões políticas. 
Todas essas questões emergem como dedo em feridas coloniais abertas, não cicatrizadas mesmo após séculos, pois o pensamento ocidental que visa a redenção do outro transcorre os tempos, é o que militariza o cotidiano e desvaloriza vidas. Todas essas questões e as tantas outras que não foram aqui mencionadas, fazem emergir a necessidade de ideias para adiar o que parece tão próximo ao fim do mundo (Krenak, 2019), mostrando a necessidade de outras formas de pensar, que valorizem, sobretudo, a vida.
    A hastag #COVID19NasFavelas foi uma estratégia utilizada por moradores com acesso às redes para denunciar problemáticas que estão vivenciando, também é possível identificar mobilizações realizadas por moradores mantê-los informados e também para recolher alimentos, kits de higiene básica, dentre outros itens para aqueles/as que mais precisam. 



Imagem retirada do site Favela em Pauta, acesso: https://favelaempauta.com/





FONTES: 
MASSEY, Doreen B. Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Bertrand Brasil, 2008.
Mapa da desigualdade. Casa Fluminense. 25 de março de 2020. Disponível em <https://www.caurj.gov.br/casa-fluminense-lanca-serie-infograficos-da-desigualdade-frente-a-pandemia-de-coronavirus/>
MBEMBE, Achille, Necropolítica. Artes e Ensaios, n. 32. 2016.
MILTON, SANTOS. Por uma outra globalização: Do pensamento único à consciência universal. São Paulo: Record, 2000.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. Companhia das Letras, 2019.

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