segunda-feira, 9 de maio de 2016

PET - Debates: Território usado e humanismo concreto: o mercado socialmente necessário - Ana Clara Torres



No dia 3 de maio de 2016, o PET de Geografia da UFRRJ-IM realizou mais uma leitura de texto com o intuito em aprofundar questões e explorar discussões que abrangem todas as pesquisas em fase de andamento para o próximo livro do grupo. No relato que será aqui apresentado está ressaltado as contribuições teóricas do texto indicado e apresentado pelo o grupo que pesquisa as feiras livres do município de Queimados-RJ.

O texto aborda importantes contribuições para pensar as ações, táticas e estratégicas realizadas no território, refletindo sobre o cotidiano urbano, sobre diferentes formas de usualidade (valor de uso) e\ou mercantilidade (valor de troca) do espaço citadino pelos diferentes agentes que o produzem. Em suma, o texto se debruça na compreensão e na elucidação: da ontologia (ciência do ser; estudo sobre a existência e realidade) do território, do sujeito corporificado e no mercado socialmente necessário.

A cerca da ontologia do território, a partir do entendimento analítico de Santos (1999); Santos e Silveira (2001) se faz necessário refletir politicamente na centralidade do território e nas interações do mesmo com os agentes, analisando as relações de favorecimento ou negação das ações dos sujeitos - “A ontologia do território, em diálogo com a problemática do cotidiano e do senso comum, alimenta a valorização concreta do diverso e do múltiplo e, assim, apoia a reflexão de exigências éticas relacionadas ao Outro” (p. 12461).

No humanismo concreto (SANTOS, 1987), o território é compreendido da dualidade dos vivos e mortos, “os mortos, ou trabalho morto, impõem as regras do território normado, ao mesmo tempo em que oferecem, aos vivos, a interlocução necessária à realização dos seus desígnios” (ibidem) em uma interação que numa outra fase é tido como usado e praticado que inteira as experiências dos que lutam para sobreviver nos ambientes hostis e antagônicos - “O Homem e o humanismo são confrontados, no presente, pelo “homem lento”, que atrai, de maneira irreversível, a defesa da cidadania e da democracia social em direção ao cotidiano e aos lugares do Outro” (p. 12463); reforçando que o território está posto em uma categoria mediadora que permeia o presente e o passado e que é indispensável para o entendimento do futuro e emerge entre gerações e conjunturas.

É a partir desta relação que a densidade territorial Do “homem lento” (SANTOS, 1994) desvenda os recursos indispensáveis à vida e proporciona o entendimento e sinais de renovação, que segundo Ana Clara se dá de setes formas\momentos\modos:

I) No olhar o território para além dos limites da condição material do Estado e na compreensão do mesmo como a que é expressiva a vida das relações mais próximas de nação do que do próprio Estado;

II) Uma leitura de nação que possibilite o reconhecimento de territorialidades e as multiplicidades das formas de apropriação do território pelas táticas e cultura ordinária (CERTAU, 1998) ;

III) Leitura orientada no território pelas lutas de apropriação onde surge o rico universo de relações que se originam nos confrontos dos códigos de conduta (Legalidade X Ilegalidade; Público X Privado);

IV) Na densidade de vida social, apreendida através de lutas de apropriação, conduzindo à reflexão do território pautada na clareza da mediação como linguagem , ou seja, como cultura, a partir da assimilação da natureza do território como mediador das lutas por apropriação que passar a ser lidas como confrontos entre representações sociais, universos simbólicos, valores e diferentes formas de interpretação das condições materiais de vida.

V) Na articulação contínua e tensa entre materialidade e imaterialidade, entre objetividade e subjetividade, obrigando os estudos sobre o território à superação do Uno que sustenta a concepção predominante do humanismo que vê o homem como meta do evolucionismo;

VI) A indissolubilidade espaço-tempo exigindo o entendimento do território (territorialidades) envolvendo o cotidiano. Pois, é na espaço-temporalidade do cotidiano que a natureza prática do senso comum adquire a potência das territorialidades resistentes, transformando o acaso − valorizado pelos pós-modernos − em projeto realizado e, ainda mais, em tecido social;

VII) Enfatização da técnica e tecnicidade na origem da experiência da escassez, pois são os que experimentam a escassez que precisam desvendar as múltiplas ações possíveis permitidas pelo espaço herdado e costurar projetos num tecido social esgarçado e precário.

O sujeito corporificado, segundo Ana Clara (p.12464) será o sujeito inimaginável, pois está sem a sua corporificação de direitos, isto é, sem a experiência vivida de direitos; e ainda afirma que a corporificação de direitos exige, no mesmo movimento, a apropriação socialmente justa do espaço herdado, dependente da ação coletiva, e a subjetivação de direitos, que sustenta a afirmação de sujeitos plenos. Pois, a última versão do capitalismo, aceita e considera os que podem consumir, onde isso se traduzirá: em maneiras de circulação seletiva; amplifica a mancha urbana; privatização dos serviços que deveriam\devem ser de responsabilidade do Estado; aumento das barreiras que impossibilita o direito do ir e vir; no apropria-se de tecnologias da informação para o controle social, e não como instrumento de libertação dos menos desfavorecidos (podendo ser até por via educacional).

Segundo a autora a posição do atraso é um instrumento legitimador de práticas de exclusão, onde o Outro surge como o não-Outro, da mesma forma que o seu campo de atuação limita-se a ser um não-lugar que foi construído pela espaço-temporalidade de anônimos e deserdados. A co-presença dos tidos e ditos por deserdados e anônimos (RIBEIRO E LOURENÇO, 2001), se impõe com força nos espaços que historicamente concentraram investimentos públicos e privados nas metrópoles e em suas centralidades, “a sagacidade dos “homens lentos” e a praticidade do senso comum conduzem, em grande parte, à permanência nestas espacialidades” (p. 12462; grifo nosso).



[...] anônimos e deserdados partilham o espaço banal e, assim, o espaço herdado, lutando por permanecer nos insterstícios da riqueza e impondo a co-presença àqueles que buscam selecionar o Outro admissível ao convívio social. O Outro admitido, pelo pensamento dominante, resume-se aos que podem ser classificados segundo critérios estabelecidos por agentes que, em número crescente, buscam administrar o cotidiano. (p. 12461)



Com a privatização dos direitos sociais básicos, a naturalização da escassez e da carência impõe o corpo reduzido a objeto, negando a força que subjaz às tentativas de complementariedade do “homem lento” com a ação dos dominantes, levando a inclusão procurada a resumir-se à uma identidade de legítimo praticante do espaço, que possibilita a sobrevivência em áreas degradadas da cidade moderna. Ana clara nos afirma (p. 12465) que a ação tratada no ângulo da ontologia do território traz à reflexão a tecnicidade da existência e é esta ação que articula, pela experiência social acumulada no território, sistemas de objetos com diferentes idades, reduzindo a abstração característica do pensamento dominante, que envolve, atualmente, a metamorfose informacional da moeda, do crédito, da produção, dos serviços (aqueles que deveriam ser ofertados pelo Estado), do comércio e, até mesmo, do consumo.

Para que estes direitos sejam garantidos ao ente mercado, subordina-se o país ao olhar externo, abstrato, e abandona-se o planejamento do território, que poderia permitir a real corporificação de direitos por todos. É frente a estas conquistas do ente mercado, e a suas características intrínsicas, que torna-se indispensável criar um outro ator, que denominamos de mercado socialmente necessário (RIBEIRO, 2004).



O mercado socialmente necessário têm como memória e projeto possuir raízes ancestrais, ainda anteriores àquelas que alimentam a concepção hegemônica de mercado, pensado de baixo para cima os agentes, corporificado e territorializado, corresponde ao circuito inferior da economia urbana (SANTOS, 1979). Este agente também corresponde às formas sociais sobreviventes de constantes modernizações e às suas formas mais recentes que tiveram historicamente a capacidade de interagir com as práticas ancestrais, como produções e comércios em que a negociação predomina sobre a conquista e a destruição do Outro - o mercado que é socialmente necessário é submetido à trocas solidárias e realmente inteligentes, pode vir favorecer o conhecimento do Outro, valorizando a sua humanidade e igualdade entre todos e o seu direito a reivindicar direitos a partir de sua diferença.



O ator aqui proposto − que também se alimenta da reflexividade contemporanêa e, logo, do pensamento estratégico − já existe em embrião, como exemplificam: as lutas dos vendedores ambulantes (camelôs) nos centros das principais cidades brasileiras, as redes de troca de tantas experiências latino-americanas, os projetos de desenvolvimento local (RIBEIRO, 2004a) e os experimentos da economia solidária. (p.12468)





As características que correspondem à intensificação das disputas pelos territórios e corpos/mentes, tem sido instrumentalizada pelas ciências sociais aplicadas pela absorção das artes na administração técnico-científica da concepção hegemônica de mercado. Com base na reflexão do texto é possível afirmar que ocorre uma crescente penetração das regras empresariais na ação do Estado, que são expressas nos modelos visam a eficácia da gestão ao invés da justiça social, e é no ordenamento entre a economia e os aparelhos do governo que nota-se a penetração de sentidos da política no âmago do fazer econômico.




Por: Flávia da Silva Souza - bolsista do grupo PETGEO-IM/UFRRJ.





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RIBEIRO, Ana Clara Torres. Território usado e humanismo concreto: o mercado socialmente necessário. In: Encontro de geógrafos da América Latina, X., 2005, São Paulo. Anais… São Paulo. ?. 2005. p. 12.458 - 12.470.

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