Territorialidade caiçara e diálogo de saberes: Re-conhecimento da
comunidade tradicional de São Gonçalo, Paraty/RJ
Anita Loureiro de Oliveira (Tutora)
André Luiz Tavares
Andressa de Oliveira
Beatriz Maravalhas
Eloá Marcele
Emanuelle da Silva
Fernanda Lima
Francine Santos
Júlia Ananda
Leonardo Aragão
Marcus Aguiar
Maria Eduarda
Mariana Rodrigues
Mateus Duarte
Queila Romualdo
Tales Mattos
Thayla Rocha
Thayná Cagnin
Thiago da Silva
Grupo PET-Geografia/IM
Eixo 8
mariianars@hotmail.com
Resumo
O trabalho realizado em diálogo com a comunidade de São Gonçalo,
Paraty/RJ teve como objetivo principal reconhecer a identidade caiçara e
valorizar seus saberes e lutas. A proposta metodológica do diálogo com a
comunidade resultou no livro Geografia e Diálogos de Saberes: Territorialidades
Caiçaras em Paraty, que destaca a luta pela afirmação territorial da comunidade
frente a interesses que incidem na localidade. Como desdobramento, elaboramos o
Mapa Caiçara de Turismo de Base Comunitária, que apresentaremos no SUDESTE PET
para compartilhar nossa experiência de ensino, pesquisa e extensão.
Palavras-chave: Resistência Caiçara; Diálogo de Saberes; Território.
Introdução
O Grupo
Pet-Geografia/IM[1] iniciou as pesquisas junto à comunidade de São Gonçalo,
Paraty/RJ em 2016, quando alguns petianos/as cursavam a disciplina Trabalho de
Campo em Geografia, ministrada na época pela tutora do grupo Anita Loureiro de
Oliveira. Durante a disciplina ocorreu uma vivência na comunidade, onde
conhecemos o Turismo de Base Comunitária (TBC) e os guias caiçaras que
despertaram o interesse do grupo em aprofundar a experiência no lugar.
Prosseguimos a
pesquisa com a comunidade com base no diálogo horizontal e destas trocas
surgiram novas reflexões que buscaram valorizar aqueles saberes que tivemos a
oportunidade de ter contato. Vale frisar que “Não é o saber sobre eles que nos
interessa. É o saber deles, com eles.” (OLIVEIRA, 2018, p.).
Em 2018, publicamos o
livro Geografia e diálogo de saberes: territorialidades caiçaras em Paraty, com
artigos escritos coletivamente pelos/as petianos/as. O livro foi um primeiro
resultado desta etapa da pesquisa, considerando as narrativas da comunidade,
levantamentos históricos e contribuições de professores convidados. O livro é
um trabalho acadêmico relevante, pois permitiu destacar a experiência de
ensino, pesquisa e extensão realizada pelo grupo. Entretanto, ao fazer a
devolutiva à comunidade, entregando a eles os exemplares dos livros com
registros de nossas trocas de experiência, sentimos a necessidade de um
desdobramento que pudesse garantir a eles um uso mais prático e cotidiano
daquilo que eles nos ensinaram sobre o lugar. Tratava-se de tentar retribuir
nosso aprendizado com eles, elaborando um material que os guias da comunidade
pudessem usar em suas práticas de turismo comunitário. Surgiu então a ideia do
mapeamento colaborativo: O Mapa Caiçara de Turismo de Base Comunitária a ser
utilizado durante as visitas guiadas. Ressaltamos no mapa os pontos importantes
apontados pelos próprios guias e membros da comunidade em nossos trabalhos de
campo e vivência na comunidade.
Objetivos
O objetivo principal
do grupo, desde o primeiro momento, é horizontalizar o saber e aproximar a
universidade dos anseios comunitários, com base em uma episteme sensível e
dialógica. A criação coletiva de materiais que valorizem saberes populares,
como os conhecimentos caiçaras, tem como objetivo descortinar conflitos
territoriais existentes, de modo a contribuir cientificamente para que estes
grupos populares possam afirmar sua territorialidade.
Metodologia
A metodologia da
pesquisa valoriza o diálogo com saberes que foram subalternizados ao longo da
colonização, por meio da colonialidade do poder e do saber (QUIJANO, 2005). Por
considerar fundamental a posicionalidade do cientista, o grupo, enquanto
pesquisador coletivo, adota uma postura de se tornar sensível à história do
outro. Permitir uma abordagem mais sensível do (e com) o outro é uma das
principais orientações de método praticadas e deixadas por Ana Clara Torres
Ribeiro e propostas ao grupo por Anita Loureiro de Oliveira (2012), tutora do
grupo desde sua criação em 2010. Ambas concordam com Sartre, para quem
Nossa compreensão do Outro não é jamais contemplativa: não é senão um
momento da nossa práxis, uma maneira de viver, na luta ou na convivência, a
relação concreta e humana que nos une a ele (SARTRE, 1967, p.126, apud
OLIVEIRA, 2012, p.19)
Os trabalhos de campo
também se mostraram parte fundamental da metodologia da pesquisa, pois
possibilitam a aproximação da teoria com a prática, que se mostra necessária
para permitir a troca de experiências com a comunidade em questão. Como afirma
Serpa (2006, p. 10),
O fantasma do empirismo que ronda a produção do conhecimento geográfico
leva muitas vezes o pesquisador a reflexões teóricas elaboradas, mas sem a
fundamentação empírica necessária à demonstração e à validação dos conceitos,
que aparecem não raro descolados da realidade.
Para Ribeiro (2004) algumas ideias e conceitos sinalizam rumos possíveis
para a ação social e correspondem a verdadeiras ferramentas para a elaboração
de projetos voltados ao desvendamento de relações sociedade-espaço conduzidas
por racionalidades alternativas.
Desenvolvimento
O laço criado com a comunidade resultou em diversos aprendizados e
reflexões, onde pudemos vivenciar e conhecer melhor a luta caiçara de São
Gonçalo, Paraty/RJ e o conceito de territorialidade. Desde 2016, o
PET-Geografia tem tido muitas oportunidades de conhecer a narrativa caiçara e
as particularidades da luta enfrentada por eles para manter seu território e
seu modo de vida. Como destaca Escobar (2015, p. 06), “dentro dessa complexa
situação, as lutas pelos territórios tornam-se luta pela defesa dos muitos
mundos que habitam o planeta”.
A partir dos diálogos feitos nos trabalhos de campo que o grupo realizou
no decorrer dos anos da pesquisa, aprendemos muito com a luta pela permanência
no território caiçara. A BR-101 foi um dos elementos que tornaram ainda mais
difícil a permanência deles na região. Segundo Fontes (2013) a construção da
rodovia, na década de 70, veio acompanhado do turismo e da forte especulação
imobiliária, e vários conflitos fundiários se intensificaram na região. Um
exemplo é o conflito causado pela White Martins, que começou a comprar e/ou
grilar terras de caiçaras, expulsando a comunidade da praia, tirando-os de seu
lugar e comprometendo a racionalidade de sua existência. As ações da White
Martins contra a comunidade ganharam visibilidade com a trágica e precoce morte
de Zequinha, líder comunitário que à época lutava contra tais remoções. O
conhecimento deste conflito histórico e de resistência resultou na publicação
de artigos reunidos no livro Geografia e Diálogo de Saberes: territorialidades
caiçaras em Paraty, onde pudemos refletir sobre nossas experiências de pesquisa
e extensão. Como desdobramento do livro, buscamos produzir algo que fosse útil
para o cotidiano da comunidade e em conjunto com lideranças locais, elaboramos o
Mapa Caiçara de Turismo de Base Comunitária, para tornar visível o roteiro
criado pelos caiçaras nas visitas por eles guiadas.
Resultados/conclusões
Consideramos que esta
experiencia de ensino, extensão e pesquisa do PET-Geografia/IM com a comunidade
caiçara de São Gonçalo, Paraty, resultou em, pelo menos, dois importantes
trabalhos que dão sequência e sentido um ao outro: um livro e um mapa
colaborativo. Estes produtos colocam em prática o diálogo de saberes que
orienta nossas ações no reconhecimento de formas de existência (e de
resistência) que caminham no sentido da criatividade, da coletividade e da
solidariedade horizontal.
A afirmação da identidade caiçara é uma construção que visa proteger seu
território e suas práticas através da resistência, criando alternativas frente
às imposições vindas de cima e que causam devastação em nome do desenvolvimento
promovido por atores vinculados aos mercados globais (ESCOBAR, 2015). Tal como
propõe Milton Santos, é preciso considerar a força do lugar na construção de
contrarracionalidades e de racionalidades paralelas, pois estas levantam-se
como realidades alternativas frente à racionalidade dominante e apontam
caminhos ao pensamento e à ação (SANTOS, 1997). Esta é a base teórico-prática
do PET-Geografia/IM.
Referências bibliográficas
ESCOBAR, Arturo. Territórios da diferença: a ontologia política dos
“direitos ao território”. Desenvolvimento
e Meio Ambiente, v. 35, 2015.
FONTES, Carine F. Lopes. Análise dos conflitos socioambientais na área
de proteção ambiental de cairuçu (PARATY – RJ). Dissertação (Mestrado) –
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 170f, 2013.
OLIVEIRA, Anita Loureiro de. (Org.). Geografia e diálogo de saberes:
territorialidades caiçaras em Paraty. – Rio de Janeiro, Nova Iguaçu: Entorno,
2018.
OLIVEIRA, Anita Loureiro de. Por uma episteme dialógica, sensível e
criativa: Uma homenagem a Ana Clara Torres Ribeiro. Revista Tamoios (UERJ/FFP),
São Gonçalo (RJ), ano 08, n. 1, pp. 13-29, jan/jun 2012.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina.
In LANDER, Edgardo (org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências
sociais, Perspectivas latino-americanas. Coléccion Sur Sur, CLASCO, Ciudad
Autónoma de Buenos Aires, Argentina, 2005.
RIBEIRO, Ana Clara Torres. Lugares dos saberes: diálogos abertos. In.
BRANDÃO, Maria de A. Milton Santos e o Brasil. São Paulo. Ed. Perseu Abramo.
2004a. Parte I, cap 1 p.39 a 49.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção.
São Paulo:Editora Hucitec 1997 2ª edição.
SARTRE, Jean Paul. Questão de método. Tradução de Bento Prado Júnior.
São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1967
SERPA, Angelo. O trabalho de campo em geografia: uma abordagem
teórico-metodológica. Boletim Paulista de Geografia. Número 84 São
________________________________________
[1] Grupo PET-Geografia, Cultura e Cidadania: dialogo de saberes no
ensino de Geografia (IM/UFRRJ).
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