segunda-feira, 30 de março de 2020

Geografia, cotidiano e saúde em tempos de pandemia - Bate-papo com prof. Francisco Chagas no YouTube: o vírus da globalização e a normalidade da crise






Bate-papo com prof. Francisco Chagas no YouTube: o vírus da globalização e a normalidade da crise

            Hoje, sexta-feira, 27 de março, em meio às medidas de isolamento para conter a disseminação do Covid-19, ocorreu um bate-papo no YouTube conduzido pelo Professor Francisco Chagas do Nascimento Jr. do Instituto Multidisciplinar da UFRRJ. A proposta, que se iniciou como uma “aula online”, o surpreendeu, pois nasceu da inquietude dos estudantes de Geografia da referida universidade quanto à implicação da globalização no rápido processo de disseminação do vírus pelo mundo. Graças à articulação e esforços dos estudantes Luana Vieira e Luciano Paixão, e da Professora Roberta Arruzzo, pudemos ter a honra de enriquecer e geografar esta manhã de sexta.
            A discussão girou em torno de uma ideia central: no mundo atual, as crises tornaram-se estruturais e vivemos, na realidade, uma crise estrutural civilizatória. Nosso modelo de desenvolvimento econômico e social, calcado no capitalismo globalizado, é também nosso atual período histórico produtor e fomentador de crises; de tal modo, este período é intrínseco à crise e existem necessariamente ao mesmo tempo, tornando-se normalidade.
É neste sentido que Milton Santos (1999) nos ajuda a distinguir as crises do modelo atual das anteriores, porque “os dados motores e os respectivos suportes, que constituem fatores de mudança, não se instalam gradativamente como antes, nem tampouco são o privilégio de alguns continentes e países, como outrora”. Num mundo dito globalizado, as técnicas contemporâneas permitem que as redes, os fluxos e as dinâmicas se deem de forma concomitante, com uma frequência e com uma força nunca vista, ainda que não se manifeste exatamente da mesma maneira em todos os lugares do globo.
Ao produzir ordem, mas também desordem, onde a primeira se retroalimenta da segunda, os fatores hegemônicos subjugam países, pessoas, empresas, instituições, e lugares à sua lógica de produção – utilizando e sugando diferentemente tais possibilidades, realizando diferentemente a velocidade do mundo.
É assim que, numa crise global de saúde, onde o neoliberalismo vem projetando um terreno de total desconstrução do Estado de bem-estar social, os países periféricos têm sua população largada à própria sorte. Como se já não bastasse a ausência do Estado nas periferias urbanas cotidianamente, em tempos de crise pandêmica, o isolamento para contenção do vírus força os trabalhadores autônomos, de economia popular, a pararem suas atividades e sua única fonte de amparo. Desse modo, se dinheiro, alimento e saúde, e muitos outros recursos já eram incertos e escassos, agora a população é obrigada a conviver com a falta em sua totalidade.
            A crise, sendo intrínseca ao sistema capitalista, gera ainda mais lucro quando não há crescimento econômico. Com o Estado cada vez menor para a livre atuação do mercado, a ideologia neoliberal se mostra cada vez mais incapaz de ocupar seu lugar, pois o foco não é fazer a economia crescer de forma duradoura para assim distribuir e atender às necessidades do povo, mas sim concentrar e acumular as riquezas.
Parece óbvio que o interesse hegemônico seja subordinar e acumular, porém o sistema também se reproduz instrumentando discursos para um modelo de sociedade servil e apática. Enquanto se precarizam as condições de vida da população e se privatizam cada vez mais serviços básicos pelos insistentes discursos de nossos governantes frente a nenhum crescimento econômico, este mesmo país gera acumulação para, e somente para, as corporações, sobretudo bancos, em meio à crise civilizatória.
A crise do coronavírus não é excepcional, é um vírus que nos atinge em espectro global, graças à globalização. Com um mundo cada vez mais integrado para as cadeias produtivas, epidemias deixam de ter meros impactos locais ou regionais para se tornarem tão globalizadas quanto todos os outros aspectos do mundo contemporâneo, de rápida difusão e assentada sobretudo nas redes e na urbanização latente e desigual. A grande questão é que, em função do nosso ponto de partida, das condições territoriais e do meio, a pandemia se torna ainda mais temerosa, numa situação injusta e desonesta, onde os trabalhadores e suas famílias se perguntam, aglomerados em pequenos cômodos, ausentes de saneamento básico, se aceitarão o risco de serem infectados ou se morrerão de fome.
27/03/2020 


Referência


SANTOS, Milton. A normalidade da crise. Folha de São Paulo, 1999. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2609199903.htm. Acesso em 28/03/2020.


síntese produzida por Maria Eduarda Bastos

Nenhum comentário:

Postar um comentário