sábado, 21 de abril de 2018

PET-DEBATES: Corpo, corporeidade e espaço na análise geográfica de Joseli Maria Silva.


O texto ”Corpo, corporeidade e espaço na análise geográfica” foi sugerido para ser debatido no grupo PET-GEOGRAFIA/UFRRJ- IM pela percepção dos e das integrantes,  da necessidade de se debater os estudos de corpo na ciência geográfica. O debate foi realizado no dia 11 de abril de 2018.             Na introdução do livro (maneiras de ler: geografia e cultura) que se encontra este artigo, aborda-se "novas fontes de saberes sobre os lugares", no sentido da pluralidade temática existente no estudo das diversidades culturais e suas relações com o espaço geográfico. Busca-se com essas contribuições "compreender a análise geográfica que envolve o campo simbólico". (P.9) Uma maneira interpretar a realidade.
A introdução do texto nos deixa clara a força que o espaço contém na construção dos significados, quando a autora nos relata sua experiência em que sua corporeidade foi vista como de uma travesti, pois estava em um lugar predominantemente formado por travestis. Após esse relato, ela nos conta como o texto vai ser desenvolvido e separado em duas seções, na primeira, a emergência do corpo enquanto eixo investigativo na ciência geográfica, e a segunda abordará sobre a contribuição da análise das sexualidades para compreensão da relação entre corpo e geografia.
Nesse sentido, a presente pesquisa utilizará como aporte metodológico a leitura da dimensão do corpo na análise geográfica a fim de possibilitar uma compreensão sobre as relações de poder, de pessoas e lugares referenciados ao longo do texto. É nos trazido que no campo da geografia, as vertentes que realizaram esforços em problematizar essa relação entre corpo e espaço foram as feministas, queer, nova geografia cultural e fenomenologia.
A autora Joseli traz as contribuições da geógrafa europeia Kirsten Simonsen (2000) sob o título ‘The Body as Battlefield'. “Ela realiza sua análise reunindo as contribuições de geógrafos em três eixos: ‘As geografias do armário’, ‘Outros corpos’ e ‘Transcendendo dualismos”. (p.30). O primeiro eixo de abordagem geográfica exposto por Simonsen (2000) explora a forma como os corpos são constituídos e usados, tendo como preocupação a inscrição do poder e a capacidade de resistência dos corpos envolvendo as questões de performatividade, a política do corpo e o corpo como um local de contestação. O segundo eixo baseado nas ideias do feminismo, do pós-estruturalismo e do pós-colonilismo aborda a necessidade de reconhecer as diferenças e as relações de poder corporificadas, ligadas à sexualidade, racialidade e origem étnica. O terceiro eixo tem tido a preocupação de descontruir as dicotomias mente/corpo, mas também outras. Isso fica claro em: "As reflexões em torno do desmantelamento da dicotomia corpo-mente, além de possibilitar estudos sobre a representação cultural dos corpos em diferentes contextos, também permitiu a emergência das ideias de instabilidade e fluidez das identidades corporais, ultrapassando a ideia de corpo, entendido tradicionalmente como algo fixo, para a ideia de corporeidade, a fim de produzir a perspectiva de mutabilidade e movimento." (P.31)
Em seguida a autora nos traz um esclarecimento necessário, que dialoga com proposta de Milton Santos sobre o papel ativo da geografia (2000): "O conceito de “conhecimento situado” tem sido um caminho teórico-metodológico bastante promissor nas geografias feministas, evidenciando que a pesquisa concreta se faz por cientistas que tem cor, gênero, corpo, sexualidade, posição política e assim por diante. A posicionalidade de quem questiona o mundo é fundamental para conceber as perguntas passíveis de serem realizadas e, sendo assim, os resultados de uma trajetória de pesquisa deve conter a auto-avaliação de como a posicionalidade da pessoa que investiga influência nos resultados obtidos." (P.31). Visto isso, a ideia de posicionalidade é de extrema importância para esse trabalho. O posicionamento feminista enquanto pesquisadora influenciará na busca por uma superação de invisibilização das relações de gênero que permeiam o espaço e que resultam em diferentes formas de vivenciá-lo.
                Na segunda seção do texto, Joseli nos traz a abordagem do corpo às questões relativas à sexualidade na análise geográfica, e nos contempla com sua analise foucaultiana, mas também reconhecendo os seus limites, pois mesmo sendo homossexual, Foucault ainda era homem, branco, europeu, e por conta disso ocupava uma posição privilegiada na sociedade. Outra referencia importante que falada nessa segunda parte é Judith Butler, que segundo a autora “suas obra (2005, 2006) foi de fundamental importância para construir uma base teórica que fosse capaz de refutar os argumentos  ‘da natureza’ em torno da morfologia das genitálias que definia as diferenças sociais de gênero e as normas a serem impostas das práticas sexuais”.
                A ideia de sexualidade de Foucault irá refletir à cultura e aos costumes de um determinado espaço-tempo, não sendo um "instinto natural". Logo em seguida é trazido a visão sobre o corpo e as relações de poder envolvidas nessa construção:
"As ideias do corpo foucaultiano na geografia permitiram a concepção de corpo como algo que não é fixo e nem mesmo passivamente submetido ao poder. O corpo, alvo do poder, pode ser também o lugar de subversão de toda a disciplina que o impõe. As marcas físicas como a anatomia sexual, a cor da pele e outras só podem ser compreendidas por meio do jogo de forças que constituiu o saber/poder sobre elas, suas significações e sentidos" (p.33)
 "Não há como escapar das relações de poder, mas ela nunca ocorre de forma dual e oposicional, pois a partir do momento em que há uma relação de poder, há uma possibilidade de resistência. Jamais somos aprisionados pelo poder: podemos sempre modificar sua dominação em condições determinadas e segundo uma estratégia precisa” (FOUCAULT, 1984c, p. 241)."(p.33)
"A corporeidade assim, se dá na articulação dos embates entre alma e corpo que criam dispositivos estratégicos entre ambos, constituindo futuros incertos. A corporeidade se faz de extrema maleabilidade e tem sido utilizada na Geogafia para superar o sentido biológico e essencializado, tradicionalmente atribuído ao corpo. McDowell (1999) argumenta que o corpo, não pode ser concebido como entidade fixa e acabada, mas plástica, maleável e, portanto, passível de adotar inúmeras formas em vários momentos, compondo assim várias geografias." (p.33).
"A aceitação da identidade de gênero baseada na anatomia corporal é uma “falácia” que se constrói como realidade. Ser um homem ou uma mulher não é um fato natural, mas uma representação cultural em que a “naturalidade” se faz por meio de um conjunto de atos impostos por um discurso, que produz um corpo através de categorias de sexo e a finalidade dessa criação é justamente criar uma identidade coerente para uma realidade estável" (p.33). Neste ponto, a autora aborda sobre a construção social dos gêneros.
                Outro ponto importante nessa discussão é a restrição que certos corpos sofrem dependendo do espaço e que estão inseridos, enquanto outros são “corpos neutros”:
"A corporeidade sexuada está intimamente relacionada com o espaço provocando acolhimento, indiferença ou exclusão. Por exemplo, as demonstrações de afetos heterossexuais são “ações neutras” e perfeitamente toleradas em espaços públicos, mas as manifestações homoeróticas, por exemplo, são interditadas, sendo permitidas nos espaços privados ou em locais claramente identificados como permissíveis ao afeto homossexual" (p.34).
"As geógrafas Lynda Johnston e Robyn Longhurst (2010) dedicaram um capítulo de seu livro sobre o corpo, intitulado “Geografias íntimas”. Segundo elas a geografia pode analisar o corpo como espaço e o corpo no espaço, argumentando que nossos corpos fazem diferença em nossas experiências de espaço e lugar”.
"A relação entre corpo e espaço foi tema central do livro “Pleasure zones: bodies, cities, spaces”. No prefácio elaborado por Jon Binnie, Robyn Longhurst e Robin Peace o corpo está claramente identificado com a perspectiva butleriana. Os geógrafos afirmam que embora o corpo apresente uma materialidade, tal materialidade é sempre constituída pelo discurso, assim como o espaço. Assim, tal como o corpo, o espaço também é produzido discursivamente. A materialidade do espaço apresenta toda força do discurso heteronormativo, mas também não é passível ao exercício do poder regulatório podendo apresentar fissuras pelas quais emergem as forças de subversão das normas estabelecidas." (p.35)
Essas citações nos permite pensar o corpo enquanto território e ferramenta de luta contra as opressões, podendo assim classifica-lo como de suma importância para análise geográfica. Portanto, os estudos envolvendo corpo e geografia são emergenciais para podermos pensar juntas e juntos como produzir um espaço plural, comum a todxs e justo.

Link de acesso:
https://laboter.iesa.ufg.br/up/214/o/MANEIRAS_DE_LER_GEOGRAFIA_E_CULTURAL.pdf (A partir da página 28)



Por: André Luiz Bezerra - Bolsista do grupo PETGEO-IM.UFRRJ 

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