terça-feira, 5 de maio de 2020

Lives, likes e afins: a chuva de aulas virtuais de yoga, dança, contação de história e tudo mais pra gente se perder por aí nas redes sociais – o excesso de oferta ajuda ou atrapalha?




André Luiz Bezerra Tavares

Este texto faz parte de uma série de reflexões realizada pelo PETGEO/IM sobre saúde e cotidiano em tempos de pandemia causada pelo COVID-19. As ideias a serem compartilhadas aqui tem a ver com a nova dinâmica que parte da população passou a ter em decorrência do isolamento social, que está previsto como medida para reduzir o índice de infecção pelo vírus. Vale deixar claro que este texto (assim como os demais incluídos na série de reflexões) é um processo tentativo (orientação metodológica estimulada pela tutora Anita Loureiro, e certamente apoiada pelas ideias de Ana Clara Torres Ribeiro) de se pensar o (novo) movimento do cotidiano, que contém muito mais dúvidas do que respostas.

Para pensar algumas questões importantes do tema de lives, aulas virtuais e “tudo mais para se perder por aí nas redes sociais” no momento de isolamento social, uma pergunta central o direciona: “o excesso de oferta ajuda ou atrapalha?”. A partir disso, resolvi estender a pergunta feita a mim para a produção desse texto aos seguidores de uma das minhas redes sociais, afinal, nada mais justo do que compartilhar essa pergunta com quem está vivenciando essa realidade. Além da opinião das/os seguidoras/es, tive uma conversa sobre o tema com Alex Ratts, pensador e amigo que tenho bastante interesse e afinidade nas percepções espaciais.

Para pensar nas lives, precisamos entendê-las enquanto um meio de comunicação mercadológica que já se fazia presente antes mesmo do isolamento social e que se mostrava muito útil para conectar as pessoas ao vivo em torno de um mesmo interesse. Sua viralização durante o isolamento se deu a partir da enxurrada de produtores de conteúdos que começaram a usar essa plataforma para as mais diversas atividades. A pergunta que me faço é: por que lives? Por que não gravar vídeos e postar no perfil(?), já que isso era o mais comum antes de ficarmos em casa. Imagino que seja pelo fato da simulação de proximidade, de estarmos ao mesmo tempo fazendo a mesma coisa. Entretanto, apesar da ideia de proximidade, um amigo que participou da enquete feita na rede social me respondeu “ No início eu achei que seria uma alternativa que poderia me conectar aos demais, porém, com o passar do tempo, eu comecei a me ver sozinho e me questionei se não era assim que todos se sentiam também. Levei esse papo para uns amigos e isso gerou uma péssima catarse. Todo mundo exibindo sua própria solidão”.

Achei interessante essa resposta, porque até então, as lives estavam acontecendo para que nós nos sentíssemos mais próximos durante esse período. Então por que essa sensação de solidão? Levei essa pergunta à conversa que tive com Alex e ele disse “enquanto houver cidade grande, vai ter discussão de solidão” e me alertou também sobre os mais de 100 anos de sociologia e que o pensamento de solidão e vida na metrópole sempre estiveram presentes nos debates. Me instiguei por esse ponto, e encontrei um texto (“Formas de subjetivação nas grandes cidades: modo de vida urbano em George Simmel e Louis Wirth.”) que traz base exatamente para essa discussão vinculado ao pensamento de Georg Simmel (um dos sociólogos que pensaram nisso há bastante tempo) e nele diz: “Na verdade, a modernidade é atravessada por ambiguidades, e delas resultam os grandes impasses da vida urbana moderna”. Uma das formas de pensar do Simmel era através de contrastes e ambiguidades para entender a modernidade e as cidades grandes, afinal, “O contraste permite não apenas distinguir a forma urbana moderna da vida nas pequenas localidades, como também explicita as contradições presentes na própria vida metropolitana moderna” e dentre estes contrastes está o de LIBERDADE/SOLIDÃO, portanto, “ a contradição central da vida metropolitana moderna reside na vontade do homem em “preservar a sua independência e individualidade” perante a crescente dependência e a homogeneização impostas pela modernidade”, quer dizer, podemos estar no mesmo barco, mas vamos ter nossa própria individualidade, isso marca a contradição e a vida na metrópole. O que me faz pensar: já não estávamos nos sentindo sozinhos mesmo antes de estarmos isolados socialmente?

Ainda sobre as perguntas feitas nas redes sociais: muitas pessoas falaram sobre as lives se tornarem uma fuga dos noticiários da pandemia, também como uma oportunidade de praticar o ócio criativo: de conseguir extrair algo em que trabalhar depois do momento do ócio, seja em uma construção pessoal ou profissional. Ele é necessário para auxiliar na capacidade de pensar, ter ideias, estabelecer estratégias, dar passos seguintes, que é diferente de viver imerso num oceano de ações cotidianas, como explica Leandro Karnal.

Outra mensagem que recebi e é interessante pensar foi “Eu particularmente não me vejo motivada a assistir nada, porque estou num processo muito doloroso comigo mesma de medo e insegurança, tenho me sentido pressionada, digamos assim, por não estar conseguindo ser tão produtiva como essas lives demonstram com total tranquilidade”. É importante pensarmos na ideia de que o cenário de pandemia mexe com o corpo e as emoções de maneiras que talvez não possamos controlar, e acima de tudo é necessário nos respeitarmos. No geral, a grande maioria concordou que as lives são benéficas para o momento que estamos vivendo, apesar de apontarem também que os excessos delas podem ser ruins, como questiona o tema da reflexão. Mas uma grande contribuição de Alex Ratts, nos ajuda a refletir sobre esses excessos, e por ser uma afirmação bem certeira e que contempla a pergunta do tema, gostaria de encerrar o ela: “Essa sensação aí de que há um excesso...é nossa, que temos acesso à internet e o mundo inteiro nas mãos pelo smartphone, outras pessoas, outros grupos não tem essa sensação. Então ela tem classe e outros cruzamentos”.

Referências:
RIBEIRO, Ana Clara Torres et al. Por uma cartografia da ação: pequeno ensaio de método. Cadernos IPPUR, p. 33-52, 2001.

Isolamento social: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/03/30/oms-reforca-que-medidas-de-isolamento-social-sao-a-melhor-alternativa-contra-o-coronavirus.ghtml

Formas de subjetivação nas grandes cidades: modo de vida urbano em George Simmel e Louis Wirth. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/praca/article/view/236283

O que é o ócio criativo? https://www.youtube.com/watch?v=EVmGb_IP_D0

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