quarta-feira, 24 de julho de 2013

Leituras Compartilhadas: Resumo do subcapítulo 3.3 – As Ocupações dos sem-teto do Centro do Rio (Tese de Doutorado de Tatiana Tramontani Ramos - Geografia - UFRJ)



TATIANA TRAMONTANI RAMOS

Diferentes organizações compõem o movimento dos sem-teto e as ocupações localizadas no Centro ou Área Central da cidade do Rio de Janeiro. Tais organizações trabalham apoiando e/ou organizando um grande número de ocupações, das quais a tese tomará como estudo três delas: a ocupação Chiquinha Gonzaga, a ocupação Zumbi dos Palmares e a ocupação Quilombo das Guerreiras.
 As ocupações apresentam a variante por coletivo, que são organizações em que a distribuição de tarefas e responsabilidades não leva em consideração os cargos de comando ou confiança, mas a real participação de todos os envolvidos no processo. É uma forma de organização que busca ter um caráter  mais horizontal quanto for possível, em termos de distribuição de cargos e funções dentro desses espaços e, consequentemente, uma outra relação com o poder (heterônomo) nos mesmos. Isso não significa que dentro dessa variante não exista a expressão de poder ou relações de poder nesses espaços, mas há uma distribuição equitativa desse poder. Nesse coletivo também apresenta um “líder”, ou o “exercício de um tipo de liderança”. Dentro dessas organizações sociais há também a participação com o “apoio interno”, que é formado por indivíduos que participam da organização do processo de ocupação (fazem parte do “grupo de apoio”), mas que não desejam conquistar uma moradia para si. E o “apoio externo” é conformado por ativistas (integrantes do “grupo de apoio” e do “apoio ampliado”) que permanecem na porta da ocupação durante o período de “territorialização instável”, e cumpre uma série de Funções.
Vários são os conflitos enfrentados por essas ocupações, quando o conflito territorial passa para a esfera jurídica e a ameaça de desterritorialização, novas formar de se organização se impõem. Ocupações de sem-teto como Quilombo das Guerreiras e Chiquinha Gonzaga, localizadas em prédios situados na Zona Portuária do Rio de Janeiro, representam uma combinação de territorialização em sentido estrito com refuncionalização/reestruturação do espaço material e ressignificação de “lugares”. Nelas têm ocorrido, igualmente, tentativas de desenvolver alternativas às relações de trabalho capitalistas (ou seja, tentativas de construção de circuitos econômicos alternativos), sob a forma de cooperativas. (SOUZA, 2010: 41,42. Grifos do autor. Apud TRAMONTANI, 2012)
Vale ressaltar que existe diferenciação das maneiras de ocupação, como a ocupação sem vínculo com organizações e ocupações com organizações.
                                                               
Entre as três ocupações estudadas, a ocupação Chiquinha Gonzaga é a mais antiga. O prédio utilizado pela ocupação está localizado na Rua Barão de São Félix, próximo à Central do Brasil, foi ocupado por cerca de 40 famílias. O nome da ocupação (Chiquinha Gonzaga), como em vários outros casos de ocupação, é utilizado como homenagem a indivíduos específicos ou a sujeitos coletivos.

As Ocupações Chiquinha Gonzaga, Zumbi dos Palmares e Quilombo das Guerreiras surgem em um momento político muito especial para a cidade e o estado do Rio de Janeiro. Elas emergem em meio à chamada “era Cesar Maia”, que foi um período que se pode tratar como de grande tensão para as camadas de baixa renda da população carioca, a despeito de uma grande aceitação e satisfação das classes média e alta da cidade.
Dizemos, então, que foi um período de grande tensão para as camadas populares do Rio de Janeiro, pois houve, nessa época, um forte impacto de transformações colocadas em prática tanto no âmbito da habitação, quanto no âmbito do trabalho e posturas urbanísticas, o que justifica a entrada dos movimentos sem-teto. O que hoje temos discutido, questionado e criticado no calor do “choque de ordem” instituído no mandato do Prefeito Eduardo Paes.
Outro grande problema é a implementação de melhorias urbanas dentro das favelas, onde ocorre a formalização dos espaços até então “informais”, e dessa maneira torna os espaços locais mais caro.
Neste momento, muitos moradores, com as melhorias trazidas para as comunidades onde vivem, há muito, ou pouco tempo, passam a não poderem mais arcar com aluguéis, contas e impostos, sendo obrigados a procurar moradia em condições compatíveis com o exíguo orçamento familiar. Morar no Centro do Rio, significa para essa população a necessidade de estar próximo ao seu trabalho, estar próximo aos hospitais, estar próximo as atividades culturais, como também aos locais de lazer.

A ocupação Zumbi dos Palmares, estabeleceu-se no antigo prédio de escritórios do INSS. Essa ocupação aconteceu em um espaço de tempo curto. A ocupação Zumbi dos Palmares apresentou um enfraquecimento do coletivo, em seu sentido político, naquilo que diferencia esses espaços de qualquer outra ocupação desorganizada existente em tantas metrópoles, ao contrário da ocupação Chiquinha Gonzaga, que era uma ocupação por militantes, a Zumbi dos Palmares não havia quase ninguém com participação comunitária e as ações de grupo eram ações extremamente hierárquicas. Como consequência desse enfraquecimento político, tais fragilidades facilitaram uma desocupação lenta, discreta, onde a única alternativa possível ao despejo era aceitar propostas de “indenizações” em dinheiro (vinte mil reais) ou cadastrar-se para receber uma moradia pelo programa Minha Casa Minha Vida.
 Atualmente a Avenida Venezuela encontra-se bloqueada para obras de grandes proporções tanto de infraestrutura viária (devido a alterações previstas para a região como a demolição do viaduto da Perimetral, construção de galerias e túneis para alteração de vias etc.), quanto de demolição de imóveis, construção e requalificação de outros.

O processo que originaria a Ocupação Quilombo das Guerreiras se inicia em 2005, por meio da articulação entre ativistas das outras duas ocupações já existentes – Chiquinha Gonzaga e Zumbi dos Palmares – e apoiadores ligados, ou não, a diversas organizações de movimentos sociais. Sua formação, ainda que de maneira rápida, apresenta uma composição política bem mais complexa do que normalmente se julga.  Podemos perceber que, de certa forma, as diferentes tentativas de ocupação realizadas pelo coletivo da Ocupação Quilombo das Guerreiras contribuíram, de alguma maneira, para que essa tenha sido considerada aquela em que existe a maior coesão em termos de coletivo, em comparação com as quatro ocupações dessa variante estudadas. Essa coesão está apresentada na capacidade de diálogo, de articulação e de participação dos moradores nos assuntos da ocupação que não está livre, no entanto, de disputas, conflitos e tensões.
O imóvel utilizado pela ocupação localiza-se em um extenso terreno na Av. Francisco Bicalho, no qual existem vários galpões que deviam ser usados, no passado, como armazéns, um edifício que abriga um teatro (em absoluta degradação) e um edifício de cinco pavimentos onde funcionavam os escritórios da empresa. Hoje residem 36 famílias na Ocupação Quilombo das Guerreiras. Está previsto no Projeto Porto Maravilha que toda a área onde se encontra a ocupação (Av. Francisco Bicalho) deverá receber modernos edifícios comerciais e de negócios que serão construídos no local.
Toda essa situação que envolve negociações “de peso” com o “mega-projeto de revitalização” da área, pela Prefeitura, e com a empresa Docas, hoje privatizada e com grandes interesses imobiliários na região, leva a crer que a Ocupação Quilombo das Guerreiras deve mesmo passar por um processo de reassentamento em um conjunto habitacional a ser construído na Gamboa, nos próximos anos.
O coletivo da Quilombo das Guerreiras tem mantido certa coesão para enfrentar os desafios que se aproximam. O coletivo se mantém unido nas negociações, no diálogo com organizações sociais e órgãos governamentais envolvidos, não apenas porque seus moradores intentam defender objetivos em comum e a ação coletiva é mais eficiente nesses casos, mas porque perceberam que os ganhos com esse tipo de participação e organização política (“por coletivo”) são visíveis e trouxeram resultados extremamente positivos para a formação enquanto cidadãos de direitos, enquanto grupo e, consequentemente, ganhos individuais, como relatam os moradores.

Bárbara Marques
PET-Geografia/ UFRRJ-IM



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