TATIANA
TRAMONTANI RAMOS
Diferentes organizações compõem o
movimento dos sem-teto e as ocupações localizadas no Centro ou Área Central da
cidade do Rio de Janeiro. Tais organizações trabalham apoiando e/ou organizando
um grande número de ocupações, das quais a tese tomará como estudo três delas:
a ocupação Chiquinha Gonzaga, a ocupação Zumbi dos Palmares e a ocupação
Quilombo das Guerreiras.
As
ocupações apresentam a
variante por coletivo, que são organizações em que a distribuição
de tarefas e responsabilidades não leva em consideração os cargos de comando ou
confiança, mas a real participação de todos os envolvidos no processo. É uma
forma de organização que busca ter um caráter mais horizontal quanto for possível, em termos
de distribuição de cargos e funções dentro desses espaços e, consequentemente,
uma outra relação com o poder (heterônomo) nos mesmos. Isso não significa que
dentro dessa variante não exista a expressão de poder ou relações de poder
nesses espaços, mas há uma distribuição equitativa desse poder. Nesse coletivo
também apresenta um “líder”, ou o “exercício de um tipo de liderança”. Dentro
dessas organizações sociais há também a participação com o “apoio interno”, que
é formado por indivíduos que participam da organização do processo de ocupação
(fazem parte do “grupo de apoio”), mas que não desejam conquistar uma moradia
para si. E o “apoio externo” é conformado por ativistas (integrantes do “grupo
de apoio” e do “apoio ampliado”) que permanecem na porta da ocupação durante o
período de “territorialização instável”, e cumpre uma série de Funções.
Vários são os conflitos enfrentados por
essas ocupações, quando o conflito territorial passa para a esfera jurídica e a
ameaça de desterritorialização, novas formar de se
organização se impõem. Ocupações de sem-teto como Quilombo das
Guerreiras e Chiquinha Gonzaga, localizadas em prédios situados na Zona
Portuária do Rio de Janeiro, representam uma combinação de territorialização em
sentido estrito com refuncionalização/reestruturação do espaço material e
ressignificação de “lugares”. Nelas têm ocorrido, igualmente, tentativas de
desenvolver alternativas às relações de trabalho capitalistas (ou seja,
tentativas de construção de circuitos econômicos alternativos), sob a forma de
cooperativas. (SOUZA, 2010: 41,42. Grifos do autor. Apud TRAMONTANI, 2012)
Vale ressaltar que existe diferenciação das maneiras de ocupação, como a ocupação sem
vínculo com organizações e ocupações com organizações.
Entre as três ocupações estudadas, a ocupação Chiquinha Gonzaga é a mais
antiga. O prédio utilizado pela ocupação está localizado na Rua Barão de São
Félix, próximo à Central do Brasil, foi ocupado por cerca de 40 famílias. O
nome da ocupação (Chiquinha Gonzaga), como em vários outros casos de ocupação,
é utilizado como homenagem a indivíduos específicos ou a sujeitos coletivos.
As Ocupações Chiquinha Gonzaga, Zumbi dos
Palmares e Quilombo das Guerreiras surgem em um momento político muito especial
para a cidade e o estado do Rio de Janeiro. Elas emergem em meio à chamada “era
Cesar Maia”, que foi um período que se pode tratar como de grande tensão para
as camadas de baixa renda da população carioca, a despeito de uma grande
aceitação e satisfação das classes média e alta da cidade.
Dizemos, então, que foi um período de
grande tensão para as camadas populares do Rio de Janeiro, pois houve, nessa
época, um forte impacto de transformações colocadas em prática tanto no âmbito
da habitação, quanto no âmbito do trabalho e posturas urbanísticas, o que
justifica a entrada dos movimentos sem-teto. O que hoje temos discutido,
questionado e criticado no calor do “choque de ordem” instituído no mandato do
Prefeito Eduardo Paes.
Outro grande problema é a implementação de
melhorias urbanas dentro das favelas, onde ocorre a formalização dos espaços
até então “informais”, e dessa maneira torna os espaços locais mais caro.
Neste momento, muitos moradores, com as
melhorias trazidas para as comunidades onde vivem, há muito, ou pouco tempo,
passam a não poderem mais arcar com aluguéis, contas e impostos, sendo obrigados
a procurar moradia em condições compatíveis com o exíguo orçamento familiar. Morar
no Centro do Rio, significa para essa população a necessidade de estar próximo
ao seu trabalho, estar próximo aos hospitais, estar próximo as atividades
culturais, como também aos locais de lazer.
A ocupação
Zumbi dos Palmares, estabeleceu-se no antigo prédio de escritórios do INSS.
Essa ocupação aconteceu em um espaço de tempo curto. A ocupação Zumbi dos
Palmares apresentou um enfraquecimento do coletivo, em seu sentido político,
naquilo que diferencia esses espaços de qualquer outra ocupação desorganizada
existente em tantas metrópoles, ao contrário da ocupação Chiquinha Gonzaga, que
era uma ocupação por militantes, a Zumbi dos Palmares não havia quase ninguém com participação
comunitária e as ações de grupo eram ações extremamente hierárquicas. Como consequência
desse enfraquecimento político, tais fragilidades facilitaram uma
desocupação lenta, discreta, onde a única alternativa possível ao despejo era
aceitar propostas de “indenizações” em dinheiro (vinte mil reais) ou
cadastrar-se para receber uma moradia pelo programa Minha Casa Minha Vida.
Atualmente a Avenida Venezuela encontra-se
bloqueada para obras de grandes proporções tanto de infraestrutura viária
(devido a alterações previstas para a região como a demolição do viaduto da
Perimetral, construção de galerias e túneis para alteração de vias etc.),
quanto de demolição de imóveis, construção e requalificação de outros.
O processo que originaria a Ocupação Quilombo das Guerreiras se inicia em
2005, por meio da articulação entre ativistas das outras duas ocupações já
existentes – Chiquinha Gonzaga e Zumbi dos Palmares – e apoiadores ligados, ou
não, a diversas organizações de movimentos sociais. Sua formação, ainda que de
maneira rápida, apresenta uma composição política bem mais complexa do que
normalmente se julga. Podemos perceber
que, de certa forma, as diferentes tentativas de ocupação realizadas pelo
coletivo da Ocupação Quilombo das Guerreiras contribuíram, de alguma maneira,
para que essa tenha sido considerada aquela em que existe a maior coesão em
termos de coletivo, em comparação com as quatro ocupações dessa variante
estudadas. Essa coesão está apresentada na capacidade de diálogo, de
articulação e de participação dos moradores nos assuntos da ocupação que não
está livre, no entanto, de disputas, conflitos e tensões.
O imóvel utilizado pela ocupação
localiza-se em um extenso terreno na Av. Francisco Bicalho, no qual existem
vários galpões que deviam ser usados, no passado, como armazéns, um edifício
que abriga um teatro (em absoluta degradação) e um edifício de cinco pavimentos
onde funcionavam os escritórios da empresa. Hoje residem 36 famílias na
Ocupação Quilombo das Guerreiras. Está previsto no Projeto Porto Maravilha que
toda a área onde se encontra a ocupação (Av. Francisco Bicalho) deverá receber
modernos edifícios comerciais e de negócios que serão construídos no local.
Toda essa situação que envolve negociações
“de peso” com o “mega-projeto de revitalização” da área, pela Prefeitura, e com
a empresa Docas, hoje privatizada e com grandes interesses imobiliários na
região, leva a crer que a Ocupação Quilombo das Guerreiras deve mesmo passar
por um processo de reassentamento em um conjunto habitacional a ser construído
na Gamboa, nos próximos anos.
O coletivo da Quilombo das Guerreiras tem
mantido certa coesão para enfrentar os desafios que se aproximam. O coletivo se
mantém unido nas negociações, no diálogo com organizações sociais e órgãos
governamentais envolvidos, não apenas porque seus moradores intentam defender
objetivos em comum e a ação coletiva é mais eficiente nesses casos, mas porque perceberam
que os ganhos com esse tipo de participação e organização política (“por coletivo”)
são visíveis e trouxeram resultados extremamente positivos para a formação enquanto
cidadãos de direitos, enquanto grupo e, consequentemente, ganhos individuais, como
relatam os moradores.
Bárbara Marques
PET-Geografia/
UFRRJ-IM
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